A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal manteve na Justiça Federal do Paraná as ações penais da chamada “Operação Lava-Jato”, da Polícia Federal.
A decisão foi tomada na análise de duas reclamações.
A defesa alegou que o direito de ampla defesa estava sendo restringido pela Justiça Federal uma vez que o juiz Sérgio Moro, que preside os autos, estaria impedindo que fossem citados os depoimentos de pessoas com privilégio de prerrogativa de foro.
O Ministro Teori Zavascki, relator da matéria, afirmou que não houve violação da competência da Justiça Federal e que não há parlamentares sendo investigados no Juízo Federal competente.
Deflagrada em 17 de março de 2014 a chamada “operação Lava-Jato” desmontou um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas que movimentou enorme quantia de dinheiro.
Informa-se que, de acordo com a Polícia Federal, as investigações identificaram um grupo especializado no mercado clandestino de câmbio.
Por certo, a sociedade de economia mista Petrobras está no centro das investigações, que apontam ex-dirigentes daquela empresa envolvidos no pagamento de propina a políticos e executivos de empresas que firmaram contratos com a petroleira.
Como já salientado foram diversos os ilícitos cometidos que estão sendo investigados: peculato; corrupção passiva e ativa(sendo que há uma vertente onde se argumenta pela existência de crime de concussão, forma de extorsão promovida por servidor público); frustrar ou fraudar licitação mediante ajuste ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório com intuito de obter para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação; organização criminosa, formação de cartei, todos em concurso material(artigo 69 do Código Penal). Além deles, pode-se falar no cometimento, dentre outros, de delitos de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Sabe-se que essa operação levou à prisão de Alberto Youssef, que foi apontado como “chefe do esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas”.
Vem a pergunta: Que razões levam à competência da Justiça Federal de primeira instância(que se encerra quando houver investigação envolvendo parlamentar federal, quando então a competência será do Supremo Tribunal Federal), para investigar, instruir e julgar?
O crime inserido no artigo 22 da Lei nº 7.492/86 envolve efetuar operação de câmbio não autorizada, com fim de promover evasão de divisas do País. A teor do parágrafo único daquele dispositivo legal, incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.
O objeto da conduta é a operação de câmbio não autorizada. No parágrafo único daquele artigo, há o crime de evasão de divisas, independentemente do dinheiro ter origem em operação de câmbio não autorizada.
A conduta prevista no artigo 22 da Lei do Colarinho Branco é comissiva. Por sua vez, no parágrafo único do artigo 22, há previsão de duas modalidades de condutas: promover a saída da moeda ou divisa e manter depósitos não declarados, quando o dolo é genérico. Na segunda modalidade, o crime é permanente uma vez que é necessária a conduta reiterada.
Exige-se o dolo, na comprovada intenção de remeter divisas ao exterior, na forma do dolo específico.
Trata-se de crime comum(pode ser praticado por qualquer pessoa), material que se consuma com a efetiva comprovação da saída da moeda ou divisas, sem o conhecimento das autoridades monetárias, embora para Guilherme de Souza Nucci(Leis penais e processuais penais comentadas, 4ª edição, pág. 1114) não dependa de prejuízo efetivo para a instituição e para o mercado financeiro, instantâneo, cuja consumação ocorre em momento definido.
Tem-se que o elemento normativo divisas encontra-se associado às disponibilidades que um País, ou mesmo particular, possui em moedas estrangeiras obtidas a partir de um negócio que lhe confere origem, tais como: exportação, empréstimo, investimento, saldo de agências bancárias no exterior, ouro, cheques sacados contra bancos nacionais.
No artigo 26 da Lei de crimes contra o sistema financeiro nacional, Lei nº 7.492/86, há previsão de que a ação penal será promovida pelo Ministério Público Federal perante a Justiça Federal.
Dir-se-á que há outros crimes conexos, de competência da Justiça Estadual, cometidos. Como definir a competência?
Sabe-se que a Petrobras é uma sociedade de economia mista e a competência para instruir e julgar crimes contra ela cometidos é da Justiça Estadual. Como disse Eugênio Pacelli(Curso de processo penal, 16ª edição, pág. 222), tanto a competência da Justiça Federal quanto a da Estadual são fixadas constitucionalmente, daí porque se constituem ambas, no juiz natural para os crimes federais e para os crimes estaduais, respectivamente. A opção pela reunião dos processos pode ser explicada pela necessidade de preservar o princípio da unidade e coerência das decisões judiciais.
No concurso entre crimes conexos e ou continentes da competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual, prevalecerá a da primeira, segundo entendimento já sumulado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a teor da Súmula 122. O motivo: a competência federal vem expressamente definida, ao contrário da estadual, que seria residual.
É dito na Súmula 704 do STF: “Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”.
Conexão pressupõe a pluralidade dos fatos e a continência pressupõe a unidade do fato. No artigo 76 do CPP, que trata da conexão, o traço fundamental para a conexão é estabelecido pela existência de dois ou mais fatos, dos quais resultam duas ou mais infrações, que são interligadas por um vínculo causal de ordem penal(I e II) ou entrelaçadas por um liame de cunho precipuamente processual(III) que aconselha a junção dos processos. O suporte da continência(artigo 77, I e II) está na existência de um único fato gerador de uma ação. Tanto a conexão como a continência são conhecidas causas de modificação da competência.
Ora, a inobservância das regras processuais de competência em razão de prerrogativa de função, de natureza absoluta, impõe a anulação do processo-crime, inclusive da exordial acusatória oferecida pelo órgão que não detinha a legitimidade ativa(STJ, RHC 25.236).
Adotado o critério fundado na aplicação de regras simétricas ter-se-á que todos os membros do primeiro escalão dos diversos poderes – Judiciário, Legislativo e Executivo – serão julgados, nos crimes comuns, pelo Supremo Tribunal Federal. É o que ocorre, por exemplo, com os membros do Congresso Nacional, no âmbito do Legislativo.
Aplicando-se a Súmula 704 do STF será remetido para o Supremo Tribunal Federal, a teor do artigo 102, I, b e c, um inquérito onde se tenha investigação envolvendo concurso de agentes e de crimes, em que haja participação de parlamentar federal.
Cabe perguntar com relação a competência para determinar o desmembramento se a investigação envolver pessoa que tenha foro por prerrogativa de função.
Na matéria do que se tem dos julgamentos na RCL 1121/PR, Relator Ministro Ilmar Galvão, 04 de maio de 2000, pelo Supremo Tribunal Federal, e ainda no RHC 17377/PR, Relator Ministro Arnaldo Esteves, pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez observada a eventualidade de continência ou conexão, é vedado o desmembramento das investigações no Juízo de Primeiro Grau, sob pena de usurpação de competência delimitada pela Constituição. Faz-se então necessário a remessa de todas as peças ao Tribunal Superior competente, a quem competirá discernir sobre a viabilidade de desmembramento, à luz das regras processuais(CPP, artigo 82).
Artigo
A competência por prerrogativa de função, concurso de agentes e concurso de crimes quando envolver parlamentar federal
Rogério Tadeu Romano
Procurador Regional da República aposentado