Os dias de vinhos e rosas – parte 2

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 20 de outubro às 00:14

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O sucesso da série de TV Peter Gunn animou Blake Edwards a uma nova incursão no gênero. Henry Mancini foi mais uma vez convidado para fazer a trilha sonora. O seriado se chamou Mr. Lucky e o tema título que Mancini criou fez ainda mais sucesso do que o de Peter Gunn. Mas o seriado teve vida curta. Membros de associações que zelavam pelos “valores morais da América” externaram insatisfação pelo fato de a ação se passar em um cassino e pressionaram os produtores. Estes cederam, e o enredo foi transferido para um restaurante. A plateia perdeu o interesse pela série, que teve uma morte precoce.
Mas Peter Gunn e Mr. Lucky foram o passaporte de retorno de Blake Edwards e Henry Mancini para as grandes telas. A simbiose entre o diretor e o compositor durou trinta e seis anos. Sua última trilha sonora foi para Victor Victoria, ainda um filme de Blake Edwards. Foram ao todo 28 filmes em que foram parceiros.
O primeiro deles não foi propriamente um sucesso. Uma comédia trivial, Dizem que é amor, com Bing Crosby no papel principal, Mancini compondo música incidental e as canções encomendadas à dupla Jimmy Van Heusen & Sammy Cahn, passou meio despercebida. O segundo filme, Bonequinha de Luxo, foi um grande sucesso e rendeu à Mancini dois Oscar, um pela melhor trilha sonora e outro pela melhor canção, Moon River.
Mas não foi fácil emplacar a música no filme. A música era para a personagem de Audrey Hepburn e os produtores, de início, queriam contratar algum medalhão da Broadway para compor a canção. Mancini pediu a Blake Edwards uma chance para compor a canção. Até aí, tudo bem. Edwards confiava no taco do seu amigo.
O segundo passo foi um convite a Johnny Mercer para compor a letra. Mercer era um dos melhores letristas americanos. Para muita gente, o melhor, naqueles anos. Mas Mercer andava desanimado. O sucesso do rock estava tomando o espaço de outros gêneros musicais. Mancini mostrou-lhe a canção que compusera, explicou-lhe a cena do filme e lembrou-lhe que a música seria cantada pela atriz Audrey Hepburn, acompanhando-se no violão, e cujo alcance vocal era limitado.
Johnny Mercer elaborou três letras, até alcançar um resultado satisfatório. Mas ao entregar a letra a Mancini, comentou: “O tema é bom, mas não tem futuro fora do filme. Quem vai querer gravar uma valsa?” O prognóstico pessimista de Johnny Mercer não poderia estar mais errado. Moon River seria a música mais bem sucedida de Henry Mancini, com mais de mil gravações.
Um último obstáculo ainda surgiria. O diretor-chefe da Paramount Pictures, Martin Rackin, detestou a cena e, tão logo terminou a sessão prévia, sentenciou: “Essa droga de canção tem que cair fora”. Foram as mãos de Blake Edwards que quase caíram no pescoço de Rackin, tão indignado ele ficou. Conversa vai, conversa vem, a canção permaneceu. Resultado: Oscar de melhor canção. E Oscar de melhor trilha sonora original para Bonequinha de Luxo.


No ano seguinte, Mancini e Blake Edwards fizeram nova parceria. O filme foi Vício Maldito, um drama sobre o alcoolismo. Mancini convocou outra vez Johnny Mercer e, juntos, criaram mais uma pérola do cancioneiro americano: “The days of wine and roses”.
A música popular geralmente é construída em um modelo chamado AABA. Um primeiro tema (A) que é repetido, depois entra um segundo tema (B), chamado ponte, e o retorno ao tema inicial (A). A canção “The days of wine and roses” tem apenas o primeiro tempo e a sua repetição. Não existe a ponte nem a repetição final do primeiro tema. Foi tudo o que Johnny Mercer precisou para dar o seu recado.
Faço aqui uma tradução livre, onde se perde a poesia da letra de Johnny Mercer, para dar uma ideia pálida de como, em poucas palavras, Mercer abordou o tema das ilusões da juventude que se esfumaçam: “Os dias de vinho e rosas riem e correm para longe, como uma criança que brinca em um prado, em direção a uma porta onde está escrito “nunca mais”, uma porta que antes não estava ali. A noite solitária traz apenas uma brisa passageira cheia de lembranças do riso dourado que me leva aos dias de vinho e rosas e você.”
O protagonista de Vício Maldito foi Jack Lemmon. Ele e o diretor, Blake Edwards, foram convidados por Mancini e Mercer para ouvirem a canção título do filme. Mancini estava de costas para eles, ao lado de Mercer, que cantou a canção ao piano. Mancini contou que ao término, o silêncio foi total. Aguardou alguma manifestação, e nada. Uns dez segundos depois, ansioso, olhou para trás. As lágrimas corriam dos olhos de Jack Lemmon e Blake Edwards tinha os olhos úmidos. Nada precisou ser dito. The Days of Wine and Roses foi o segundo Oscar de Henry Mancini na categoria melhor canção. Nunca mais ninguém iria sugerir um outro compositor para as canções de seus filmes.

Capa em destaque – Breakfast at Tiffany’s (Bonequinha de Luxo) – Henry Mancini (1961)

A capa reproduz o clima do filme. Uma cena de Audrey Hepburn no papel de Holly Golightly, que trabalha como acompanhante de figurões. De origem humilde, é sustentada por um mafioso preso em Sing Sing, Holly sonha em ascender socialmente e um dia ser uma atriz de sucesso em Hollywood. Ate lá, faz de conta ser uma socialite requintada que tem a sofisticada Tiffany’s, na 5ª Avenida, como seu habitat natural. Tarefa não muito difícil quando é a naturalmente elegante Audrey Hepburn que encarna o personagem.

Bonequinha de Luxo


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