Os Dias de Vinho e Rosas – Parte I

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 12 de outubro às 18:30

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Henry Mancini e Sansão têm uma coisa em comum: um corte de cabelo mudou suas vidas. No caso de Sansão, como todos sabem, foi o começo do fim. No de Henry Mancini, o começo dos dias de vinho e rosas. Que, neste caso, ao contrário do que diz a letra que Johnny Mercer fez para aquela canção, duraram muitos anos.
Corria o ano de 1958. Henry Mancini tinha 34 anos, três filhos, e acabava de ser despedido da Universal Pictures, o estúdio de Hollywood que, atravessando uma crise financeira, estava cortando gastos. Sem saber muito bem o que iria fazer dali para a frente, Mancini entrou na barbearia do estúdio. Economizaria alguns trocados enquanto pensaria no futuro.
Na barbearia, Blake Edwards tinha acabado de cortar o cabelo. Quando o viu, foi logo dizendo; “Henry Mancini? Eu estava mesmo à sua procura.” E foi lhe contando sobre uma série televisiva que iria dirigir. Para adoçar a pílula, foi dando exemplos de pessoas que tinham feito da TV um trampolim para o cinema. Nem precisava gastar muito o seu latim. Mancini estava interessado. Afinal, como depois disse “eu não estava propriamente assoberbado de trabalho.” Ali iria começar uma parceria e amizade que duraria 36 anos e muitos filmes.
Mancini deveria escrever alguns temas da série e as músicas incidentais de cada episódio. Receberia 250 dólares por semana. A série se chamaria Peter Gunn. O personagem seria um detetive particular requintado, ao contrário dos tipos durões da tradição da literatura policial americana, cuja namorada era crooner em uma boate.
Mancini foi ousado. Criou diversos temas jazzísticos e convenceu a produtora a dispensar os seus músicos de estúdio, que segundo Mancini, eram bons mas não tinham muito swing, substituindo-os por jazzistas de fato. A série foi um sucesso. A música título, gravada por Ray Anthony, em um single, vendeu 100.000 cópias.
A gravadora RCA aceitou o desafio de gravar um LP com os temas da série. Henry Mancini marcou um jantar com Shorty Rogers, seu amigo e um artista de sucesso, para gravar o disco. Foi surpreendido por Rogers, que rebateu: “E por que você mesmo não grava? Você já fez as músicas, os arranjos, tudo está pronto. É seu bebê. Você tem que criá-lo.” Mancini ainda argumentou que era um compositor e arranjador, não um executante, mas Shorty Rogers foi irredutível em sua posição.
A RCA aceitou que o próprio Mancini se encarregasse das gravações, mas, prudente, mandou prensar apenas 8.000 cópias. O sucesso do disco foi fulminante e surpreendente. Pulou para o primeiro lugar na parada de sucessos onde ficou oito semanas e vendeu 1.000.000 de cópias. Quando saiu do primeiro posto, permaneceu em posições secundárias durante dois anos. Ao todo, vendeu mais de 2.000.000 de cópias, algo completamente inédito para discos de jazz e, mais ainda, para uma trilha sonora de série televisiva.
Henry Mancini nasceu Enrique Nicola Mancini, em Cleveland, Ohio, em 1924, filho único de imigrantes italianos. O pai era flautista amador e aos oito anos o garoto começou a aprender flauta piccolo, obrigado pelo pai, que batia em suas mãos, quando errava. Curioso é que o pai desaprovava a opção que o filho depois fez pela carreira de músico e a relação entre eles foi sempre carregada por certo grau de tensão.
Aos 18 anos, Mancini foi para nova Iorque, onde conseguiu uma bolsa na Julliard School. Mas os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial e Mancini foi convocado. Um amigo propôs-lhe fazer um teste com Glenn Miller, que viajava com sua orquestra tocando para os soldados no front. Glenn Miller não incorporou o jovem à sua orquestra, mas quando Mancini terminou seu treinamento básico foi surpreendido com a sua designação para uma banda militar. A recomendação tinha sido do capitão Glenn Miller.
Findo o conflito, Mancini conseguiu um trabalho como pianista-arranjador na orquestra de Tex Beneke, constituída por antigos músicos da orquestra original de Glenn Miller, que morreu na guerra. A orquestra de Beneke tocava no estilo de Miller. Foi lá que ele conheceu a cantora Ginny O’Connor.
Eram namorados quando os Mello-Larks (este era o nome do quarteto vocal da orquestra de Tex Beneke) receberam um convite para trabalhar em pequenos números musicais em filmes da Universal. Mancini, já enrabichado por Ginny, decidiu-se a largar tudo e acompanhá-los. Afinal seu sonho de adolescente era fazer músicas para filmes.
Ginny se mostraria sua maior incentivadora. Muito mais do que o próprio Mancini ela parecia acreditar nas suas possibilidades como músico. Foi ela quem conseguiu que Joseph Gershenson, chefe do departamento musical da Universal Pictures, o contratasse para o time de compositores do estúdio.
E foi assim, como parte de um time, e não creditado, que Mancini começou a compor trechos para “pérolas” como Francis, o burro falante, Perdidos no Alaska (com Abbott & Costello) e filmes de baixo orçamento de Jack Arnold, que virariam “cult”, como O monstro da Lagoa Negra, Tarântula, e Veio do espaço. O compositor recuperaria alguns destes temas em uma suíte que gravaria futuramente (em 1990) como Monster Suite Movie Music.
Em 1954, a Universal decidiu filmar a história de Glenn Miller (Música e lágrimas) e, naturalmente, encarregou Henry Mancini, dada a sua experiência com a orquestra de Tex Beneke, para fazer os arranjos. Dias depois, Mancini encontrou-se com Victor Young, o seu ídolo, que estava fazendo a música para A Fonte dos Desejos. Foi até o mestre dizer o quanto admirava o seu trabalho. Victor Young, claro, ficou satisfeito em ouvir os elogios daquele jovem desconhecido e, cortesmente, perguntou-lhe o que estava fazendo. Ao saber do filme sobre Glenn Miller, aconselhou-o. “Mas não deixe de incluir um tema original seu.”
Mancini ouviu o conselho do mestre. E compôs um tema, a que denominou “Too little time” para pontuar as cenas românticas de Glenn Miller. O tema não foi incluído na trilha sonora do filme, que apenas contém músicas consagradas por Miller. Mas foi pouco depois gravada por um dos maiores nomes de Hollywood. O mesmo Victor Young que lhe dera o precioso conselho e soubera ver a beleza do tema no meio das músicas de Glenn Miller.

No vídeo abaixo, Henry Mancini, em 1983, liderando uma performance de Peter Gunn.


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