Os dias de vinho e rosas – Final

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 27 de outubro às 18:31

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Como Blake Edwards havia prognosticado, o sucesso dos seriados de tevê Peter Gunn e Mr. Lucky os trouxeram de volta ao mundo do cinema. E as trilhas sonoras de Bonequinha de Luxo e Vício Maldito renderam a Henry Mancini três Oscar em dois anos. Agora, Mancini era o novo grande nome no campo das trilhas sonoras. Mais ainda. O fato de ele próprio dirigir uma orquestra contribuiu enormemente para firmar o seu nome no meio artístico. Compositores do cinema não eram conhecido fora da indústria do cinema e do nicho restrito daqueles que cultivavam uma paixão pela música do cinema. Henry Mancini foi o primeiro a fugir à regra.
Suas trilhas sonoras vendiam muito bem. Trilhas originais de outros compositores tinham tiragem bem menor do que a dele. Isto acontecia porque Mancini era seletivo no que gravava. O filme Vício Maldito lhe rendeu o terceiro Oscar por The days of wine and roses, mas nenhuma gravação da trilha sonora foi feita. Ele argumentou que o restante da música do filme era incidental e não despertaria interesse fora do contexto do filme. Conforme explicou: “A maioria das trilhas sonoras dos filmes não vingam comercialmente porque não foram gravadas somente para se ouvir. A música de fundo existe apenas para causar impacto dramático no espectador. Por isso, regravo apenas os meus temas capazes de funcionarem fora dos filmes.”
The days of wine and roses fez parte de uma coletânea. O fato de as demais músicas de Vício Maldito terem sido condenadas pelo próprio compositor ao esquecimento não significava que sua fonte de inspiração estava secando. Ao contrário. Nesses primeiros anos Mancini parecia ser um manancial inesgotável de temas melódicos. Assim, Hatari! (1962), Charada (1963) e A Pantera Cor-de-Rosa estãorepletos de temas memoráveis, além das canções títulos. São músicas que serviram muito bem aos seus filmes, mas que têm luz própria, podendo ser apreciadas mesmo por quem não os assistiu.
A ação de Hatari! se passa na Áfica, onde John Wayne faz o papel de um aventureiro cujo trabalho é capturar animais para zoológicos de todo o mundo. A bela trilha sonora inclui mais uma parceria de Mancini e Johnny Mercer (Just for tonight), baseado em uma tema de Hoagy Carmichael. Mas a cena pela qual o filme é mais lembrado só sobreviveu por conta de uma outra música.
Durante as filmagens, três filhotes de elefante se afeiçoaram à atriz Elsa Martinelli e sempre procuravam acompanhá-la onde quer que ela fosse. O diretor, Howard Hawks, filmou algumas cenas, mas estava decidido a eliminá-las por não conseguir encaixá-las no filme até ouvir a música que Mancini fez. A cena da perseguição da artista pelos filhotinhos não apenas foi salva por Baby elephant walk, mas tornou-se a mais célebre em um filme cheio de grandes momentos.


O filme A Pantera Cor-de-Rosa conta a história de um inspetor de polícia trapalhão no encalço do ladrão que roubou um famoso diamante que tem o nome do título. Mas a cena é roubada por uma outra pantera, desenhada pelo estúdio DePatie-Freleng, que só aparece durante a apresentação dos créditos do filme e cujas ações são marcadas pela música. O sucesso foi tal que a simpática pantera ganhou um programa de tevê para chamar de seu, com uma série de cartoons que foram exibidos durante muitos anos nas tevês do mundo. Como no filme, a ação nos cartoons é marcada apenas pela música. Sem diálogos. No vídeo, o nascimento da pantera cor de rosa.


Henry Mancini fez a trilha sonora de muitos filmes mais. Só sequências de A Pantera Cor-de-Rosa foram seis que Mancini musicou. Fez trilhas para filmes tão diversos quanto Arabesque, Um clarão nas trevas, Os girassóis da Rússia, Quando as águias se encontram, Instinto fatal, Regresso do Vietnam, Minha adorável espiã e muitos outros.
E teve uma trilha rejeitada por ninguém menos do que Alfred Hitchcock. O diretor inglês tinha rompido a sua longa parceria com Bernard Herrmann desde Cortina rasgada. Hitchcock estava convencido de que o declínio no sucesso dos seus filmes se devia à música de Hermann e queria um toque mais moderno.
Foi por isso que para Frenesi Hitchcock contratou Mancini, que assistiu ao copião e fez a música que julgou correspondente ao clima do filme. O problema é que lembrava justamente a música de Herrmann. Hitchcock descartou-a declarando que “se ele quisesse Bernard Herrmann teria contratado Bernard Herrmann.” Ron Goodwin compôs a trilha afinal usada.
Além de trilhas para filmes, Mancini eventualmente compôs para outros veículos. Fez as vinhetas de apresentação do programa de entrevistas de David Letterman e da The NBC Mistery Movies, que anunciava atrações noturnas dos domingos que ficaram famosas também no Brasil, como MacMillan, Columbo e McCloud, e para o Richard Boone Show. E ele mesmo conduzia um programa de tevê, The Mancini Generation, onde se apresentava com sua orquestra tocando suas músicas e de outros compositores.
Mancini compôs música para 88 filmes e quinze seriados, não contando as que fez anonimamente para a Universal, no seu começo de carreira. Concorreu ao Oscar em 18 oportunidades, ganhando a estatueta quatro vezes. Foi indicado para o Grammy 73 vezes e em 20 delas foi o vencedor.
Sua última trilha sonora foi para o filme Victor Victoria, mais uma vez com seu velho parceiro Blake Edwards. Mancini estava trabalhando na adaptação de Victor Victoria como um musical da Broadway quando foi diagnosticado com câncer do pulmão. Continuou trabalhando na adaptação, mas não chegou a concluí-la. Três canções de Leslie Bricusse e Frank Wildhorn foram incluídas.
Henry Mancini morreu no dia 14 de junho de 1994. A peça estreou dezoito meses depois. No dia da estreia, Julie Andrews, mulher de Blake Edwards e a principal atriz do musical, dedicou a sessão ao “grande ausente”, o amigo que estivera sempre presente em suas vidas e que tornara o mundo um lugar muito mais rico, graças à sua música.


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