The Art of McCartney – O desperdício de uma boa ideia

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 22 de novembro às 18:56

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Paul McCartney completou 70 anos. Dentre as várias e merecidas homenagens, um CD/Vinil duplo acaba de ser lançado, com opções em MP3 e um DVD com “making of”. Um time galáctico homenageia o lendário artista em 34 faixas. Considerando o material de que dispunham e a qualidade da equipe convocada, era quase impossível dar errado. Bem, não se pode ir ao exagero de dizer que foi um fracasso. Mas foi frustrante. O que poderia ser ótimo foi apenas bom. Vejamos primeiro o material e os envolvidos.
Disco 1:
1- Maybe I’m amazed- Billy Joel
2- Thing we said today – Bob Dylan
3- Band on the run – Heart
4- Junior’s Farm – Steve Miller
5- The long and winding road – Yusuf (Cat Stevens)
6- My love – Harry Connick Jr.
7- Wanderlust – Brian Wilson
8- Bluebird – Corinne Bailey Rae
9- Yesterday – Willie Nelson
10- Junk – Jeff Lynne
11- When I’m 64 – Barry Gibb
12- Every Night – Jamie Cullum
13- Venus and Mars/Rock Show – Kiss
14- Let me roll it – Paul Rodgers
15- Helter Skelter – Roger Daltrey
16- Helen Wheels – Def Leppard
17- Hello Goodbye – The Cure com James McCartney
Disco 2
1- Live and let die – Billy Joel
2- Let it be – Chrissie Hynde
3- Jet – Robin Zander & Rick Nielsen
4- Hi hi hi – Joe Elliot
5- Letting go – Heart
6- Hey Jude – Steve Miller
7- Listen to what the man said – Owl City
8- Got to get you into my life – Perry Farrel
9- Drive my car – Dion
10- Lady Maddona – Allen Toussaint
11- Let ‘em in – Dr. John
12- So bad – Smokey Robinson
13- No more lonely nights – The Airborne Toxic Event
14- Eleanor Rigby – Alice Cooper
15- Come and get it – Toots Hibbert with Sly & Robbie
16- On the way – B.B. King
17- Birthday – Sammy Haggart

O projeto é antigo. Foi idealizado por um dos produtores de Paul, Ralph Sall, nos idos de 2003. Os músicos convidados, como se vê, escolhidos a dedo. Onde poderia ocorrer algum erro? Na decisão de fazer quase todas as gravações usando a banda de apoio do próprio Paul McCartney. O resultado é que os arranjos são praticamente os mesmos usados por Paul McCartney o que não deixa muito espaço para a criatividade dos convidados.
Para eles, o que sobra é conseguir destacar-se na colocação da voz. Dr. John consegue isso em Let ‘em in. Willie Nelson se beneficia do fato de o arranjo de Yesterday fugir do usual e incluir uma gaita de boca que caiu bem. Def Leppard conseguiu dar um peso maior à Helen Wheels.
Por outro lado, um grande número, incluindo Alice Cooper e Perry Farrel, parecem estar em uma sessão de karaoke. E karaoke sempre é mais divertido para quem canta do que para ouve.

Alice Cooper – Quase um karaoke
Aproveitar músicas menos conhecidas, como Come and get it (música de McCartney gravada originalmente pelo Badfinger) e On the way, e misturá-las com as de maior sucesso foi uma jogada interessante. Mas colocar B.B.King em uma camisa de forças dessas, não deixando Lucille (a guitarra de B.B.King) dizer o que tem a falar é uma maldade.
Há notícias de que uma edição de luxo, com 42 faixas será lançada. Por ora, a Amazon oferece, com exclusividade, duas faixas bônus: C’mon, com Robert Smith e Put it There, com Peter Bjorn and John. A Best Buy dispõe de Smile away, com Alice Cooper e For no one, com Ian McCulloch, e a Target ficou com All my loving, com Darlene Love e Run devil run, com Wanda Jackson.
Can’t buy me love, com Booker T. Jones e P.S. I love you, com Ronnie Spector não foram disponibilizadas. Pode ser que estejam sendo reservadas para os completistas, que terão de encarar uma edição de luxo especial, com apenas 1000 cópias autenticadas e mais alguns mimos, como um pen drive no formato do baixo Hofner de Paul, um livro, certificado de autenticidade e algumas cositas más para justificar o preço que, certamente, será astronômico.


Quero que vá tudo pro inferno

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 15 de novembro às 17:25

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Com a tomada do poder pela ditadura militar, nos idos de 1964, os focos de resistência à censura à liberdade de expressão foram, em parte, transferidas para a música e o teatro. Na música, duas vertentes principais disputavam a preferência do público: a MPB e o iê-iê-iê, que depois seria chamado de Jovem Guarda.
A denominação inicial, iê-iê-Iê, veio do título brasileiro do primeiro filme dos Beatles, batizado como “Os reis de ié-ié-ié”, numa referência à palavra inglesa “yeah”, que os Beatles usavam com muita frequência (“She loves you, yeah, yeah, yeah”). Como os sudestinos acham que a letra e tem som de ê, o ié-ié-ié virou iê-iê-iê.
O ié-ié-ié procurava se associar com mudanças de costumes e de atitudes. Roupas extravagantes, cabelos compridos, pulseirinhas, etc. Fazia a apologia de transgressões (“está por dentro de tudo, só namora se o cara é cabeludo”, ou “nunca respeitando o aviso que diz, que é proibido fumar” ou “parei na contra-mão”), que soam como brincadeiras inócuas quando comparadas com os “recados” da facção engajada da MPB (“é um tempo de guerra, é um tempo sem sol”, ou “é a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”). Os que caminhavam com “a certeza na frente e a História na mão” não se conformavam com a postura que julgavam conformista e de subserviência ao “imperialismo cultural” que o iê-iê-iê representava.
Mas a MPB tinha um “defeito”. Era ótima para se cantar em reuniões nos bares ou nas casas, onde algumas doses de Cuba-Libre ajudavam a equacionar e resolver os problemas do Brasil. Para animar de verdade uma festinha, os Beatles, os Rolling Stones, os Byrds e suas contrapartes brasileiras eram muito melhores. E como festejar a vida é preciso, o já então iê-iê-iê foi tomando corpo.
Uma música foi particularmente marcante na conquista do território: “Quero que vá tudo pro inferno”, de Roberto e Erasmo Carlos”. A inspiração da música foi uma namorada de Roberto Carlos, que estava nos Estados Unidos, e para quem Roberto Carlos já tinha feito outras canções, já que o namoro se prolongava por 4 anos. Consta, por exemplo, que “Não quero ver você triste” foi feito para ela.
Quando Roberto Carlos começou a ter sucesso comercial, alguns órgãos da imprensa começaram a citar a namorada do cantor. Incomodado, o pai dela, casado novamente e que não queria holofotes sobre sua família, bolou um plano para afastar os dois pombinhos: propôs que a filha fosse fazer um curso de inglês de três meses em Nova Iorque. A filha, empolgada com a chance de conhecer a Big Apple aceitou. Perto de terminarem os três meses, Roberto e Erasmo compuseram “A volta” (“Estou guardando o que há de bom em mim/Para lhe dar quando você chegar”). Mas o pai de Magda (assim se chamava a namorada) a convenceu a ficar mais um tempo fazendo um curso de nível intermediário. Frustrado, Roberto entregou a canção para “Os Vips”. Foi o maior sucesso da dupla.
A música “Quero que vá tudo pro inferno” também foi inspirada pela namorada. Mas o pai, mais uma vez. a convenceu a fazer agora o curso avançado, e Magda não voltou para aquecer Roberto naquele inverno. Nem em inverno algum, pois, com os corpos distantes, a relação esfriou. Ficaram as canções, mas Magda não ficou. Ou ficou, dependendo do ângulo por onde se olha.
Em 1965, Roberto, Erasmo e Wanderlea estavam no comando do programa Jovem Guarda, na TV Record. A denominação Jovem Guarda seria a substituta de Iê-iê-iê, denominando aquele movimento musical, e também o título do 5º Lp do cantor, que teria “Quero que vá tudo pro inferno” como o carro-chefe. A música foi lançada em novembro de 1965, e foi um sucesso imediato. Nos programas de rádio de Natal, tipo “Telefone e peça bis” disputou o primeiro posto, durante algumas semanas, com “Help”, dos Beatles. O sucesso se repetia em todo o Brasil, e foi, em parte, beneficiado pela polêmica que se seguiu, pois setores conservadores da sociedade, principalmente da Igreja, protestaram.
Depois, quando entrou um uma longa fase mística, o próprio Roberto Carlos deixou de cantar a música e proibiu que outros cantores também a interpretassem. Em 1978, Nara Leão gravou o Lp “E que tudo mais vá pro inferno”. Quando o disco foi relançado em CD, Roberto proibiu que a música constasse do disco. Quem tem o Lp, tem doze músicas. No CD, a primeira faixa foi excluída.
O sucesso da música provocou um aumento da audiência do programa Jovem Guarda de 15% para 38%. Segundo Paulo César de Araújo, autor da biografia não autorizada e proibida pelo “rei”, Roberto Carlos, a partir daí, “nunca mais foi confundido com outros cantores de música jovem, nunca mais precisou fazer teste, nunca mais foi demitido, nunca mais foi cantar em modestos circos de subúrbio.” E Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello (“A Canção no Tempo”) opinam que Roberto Carlos foi o primeiro cantor a se transformar em ídolo de massa graças à televisão, assim como Orlando Silva foi criado pelo rádio.
Quando Magda finalmente voltou, Roberto Carlos estava no olho do furacão. As chances de ficarem um com o outro eram escassas. Logo depois, Roberto conheceria Nice Martinelli. Mas essa é outra história, com outras canções.


Jack Bruce (1943-2014)

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 7 de novembro às 18:07

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Há duas semanas, morreu Jack Bruce. As matérias nos jornais o citaram como um grande nome do rock e do blues. Ele se considerava um jazzista. Nenhuma contradição. Jack Bruce transitou com desembaraço por todas essas sendas.
Nascido na Escócia, em 1943, John Symon Asher Bruce começou seus estudos na adolescência, no Royal Scottish Academy of Music, recebendo aulas de violoncelo. Mas seu pai era um amante de jazz, e logo o aluno estava misturando música clássica e jazz, para desagrado dos seus rígidos mestres. A imposição foi imperativa. Ou parava com as digressões jazzísticas ou deixava o conservatório. O aluno não hesitou. Escolheu a liberdade de trilhar livremente os caminhos musicais que a vida lhe trouxesse. Sua educação musical formal durou apenas três meses.
Em 1962, Jack Bruce estava em Londres, onde entrou em contactos com músicos que cultivavam o blues. Trocou com Alexis Korner, um dos pioneiros, onde Charlie Watts também ensaiou seus primeiros passos, e na Graham Bond Organisation, onde conheceu e teve vários desentendimentos com o baterista Ginger Baker.
Seu próximo passo foi o John Mayall’s Bluesbrakers, onde só ficou por poucas semanas, mas o suficiente para impressionar o guitarrista. Na sua biografia, Clapton escreveu: “Musicalmente, ele foi o mais vigoroso baixista com quem já toquei. Ele lidava com o baixo quase como se fosse o instrumento líder, mas não ao ponto de ofuscar os demais e o sua noção de tempo era fenomenal. Tudo isso se refletia na sua personalidade, impaciente e perceptiva. Fico feliz em dizer que a admiração era mútua, e nós nos entendemos muito bem, antecipando o que o futuro nos traria.”
E o futuro não tardou a se apresentar, na pessoa de Ginger Baker. O baterista convidou Eric Clapton para formarem um grupo. Clapton pensou de imediato em um trio, composto por um guitarrista (ele próprio), um baterista (Ginger Baker) e um baixista. Seu modelo era um dos seus ídolos, Buddy Guy, que comandava um trio com essa formação. E Eric já tinha o nome do baixista na ponta da língua. Jack Bruce. Para desespero de Ginger Baker.
Baker não aceitou de imediato. Aguardou algumas semanas, mas vendo que não havia outra forma de contar com Eric Clapton, terminou por concordar. O primeiro dia de ensaio parecia confirmar todos os receios do baterista, pois em poucos minutos de conversa ele e Bruce já estavam às turras. Mas resolveram tocar e aí a música começou a falar mais alto, aparando as arestas entre os dois. Era o nascimento do Cream, cujo nome sugeria, sem qualquer traço de modéstia, que ali estava o creme do blues-rock inglês. E assim foram tratados pela imprensa inglêsa. Foi a primeira banda a ser chamada de supergrupo.
O Cream não durou muito, entretanto. Pouco mais de dois anos, tempo suficiente para se tornarem lendários, embora alguns críticos achem que a importância do grupo foi superdimensionada. E o motivo da dissolução não foi o choque de egos, comum entre componentes de supergrupos. Foi, segundo Eric Clapton, o próprio sucesso do Cream, que os levou a uma agenda tal que dava pouco espaço para a criação. Por fim, o cansaço prevaleceu e, de comum acordo, os três decidiram pelo fim do grupo. Para surpresa dos fãs e da imprensa, já que estavam era plenamente bem sucedidos. O Cream vendeu mais de 35.000.000 de discos em dois anos e o LP Wheels of Fire ganhou o primeiro disco de platina da história fonográfica. Em 2005, os três se reuniram para uma rápida excursão comemorativa. Abaixo, um trecho do show:


O Cream catapultou de vez a carreira de Eric Clapton. Jack Bruce e Ginger Baker também tiveram carreiras vitoriosas, mas nunca mais alcançaram um sucesso tão amplo quanto no tempo do Cream. Mais curioso, porque naqueles finais dos anos 1960, Eric Clapton quase não cantava. O vocalista da banda era Jack Bruce, que foi também o compositor das músicas mais bem sucedidas do Cream, como Sunshine of your Love e White Room. São as trapaças da sorte, como diz a letra de Cacaso.

Aqui, o Cream e seu maior sucesso, Sunshine of your love, em pleno esplendor, na década de 1960:


Jack Bruce continou o mesmo baixista criativo e vigoroso do tempo de Cream. E seguiu participando de grupos que incluíam pessoas de formação tão diversa como Carla Bley, Tony Williams e John Medeski, para citar alguns jazzistas, e Frank Zappa, Mick Taylor, Phil Manzanera e Billy Cobham, de raízes roqueiras.
Jack Bruce foi entronizado no Hall da Fama, com o Cream, e recebeu vários prêmios especiais. Seu corpo foi cremado em Londres. Os antigos companheiros do Cream, Eric Clapton e Ginger Baker, estiveram presentes. Na cerimônia de cremação, eles e outros artistas, como Phil Manzanera e Gary Brooker, tocaram as músicas Morning has broken, Strawberry Fields Forever e Theme from an Immaginary Western, esta última uma composição de Jack Bruce, em uma derradeira homenagem ao amigo.

Capa em destaque – Cream – Good-bye (1969)

O álbum de despedida do Cream foi lançado após a separação do grupo. O disco contém 6 músicas, das quais só as do “lado B” eram inéditas. Mas entre estas figura Badge, uma parceria de Eric Clapton e George Harrison, que se tornaria um dos números mais frequentes na carreira solo de Clapton. Para marcar a despedida, o trio foi vestido com um terno brilhoso, chapéu e bengala, um figurino tradicional do show-business, em pose de agradecimento, sinalizando o último ato de um trio que marcou indelevelmente a história do rock.


Os dias de vinho e rosas – Final

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 27 de outubro às 18:31

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Como Blake Edwards havia prognosticado, o sucesso dos seriados de tevê Peter Gunn e Mr. Lucky os trouxeram de volta ao mundo do cinema. E as trilhas sonoras de Bonequinha de Luxo e Vício Maldito renderam a Henry Mancini três Oscar em dois anos. Agora, Mancini era o novo grande nome no campo das trilhas sonoras. Mais ainda. O fato de ele próprio dirigir uma orquestra contribuiu enormemente para firmar o seu nome no meio artístico. Compositores do cinema não eram conhecido fora da indústria do cinema e do nicho restrito daqueles que cultivavam uma paixão pela música do cinema. Henry Mancini foi o primeiro a fugir à regra.
Suas trilhas sonoras vendiam muito bem. Trilhas originais de outros compositores tinham tiragem bem menor do que a dele. Isto acontecia porque Mancini era seletivo no que gravava. O filme Vício Maldito lhe rendeu o terceiro Oscar por The days of wine and roses, mas nenhuma gravação da trilha sonora foi feita. Ele argumentou que o restante da música do filme era incidental e não despertaria interesse fora do contexto do filme. Conforme explicou: “A maioria das trilhas sonoras dos filmes não vingam comercialmente porque não foram gravadas somente para se ouvir. A música de fundo existe apenas para causar impacto dramático no espectador. Por isso, regravo apenas os meus temas capazes de funcionarem fora dos filmes.”
The days of wine and roses fez parte de uma coletânea. O fato de as demais músicas de Vício Maldito terem sido condenadas pelo próprio compositor ao esquecimento não significava que sua fonte de inspiração estava secando. Ao contrário. Nesses primeiros anos Mancini parecia ser um manancial inesgotável de temas melódicos. Assim, Hatari! (1962), Charada (1963) e A Pantera Cor-de-Rosa estãorepletos de temas memoráveis, além das canções títulos. São músicas que serviram muito bem aos seus filmes, mas que têm luz própria, podendo ser apreciadas mesmo por quem não os assistiu.
A ação de Hatari! se passa na Áfica, onde John Wayne faz o papel de um aventureiro cujo trabalho é capturar animais para zoológicos de todo o mundo. A bela trilha sonora inclui mais uma parceria de Mancini e Johnny Mercer (Just for tonight), baseado em uma tema de Hoagy Carmichael. Mas a cena pela qual o filme é mais lembrado só sobreviveu por conta de uma outra música.
Durante as filmagens, três filhotes de elefante se afeiçoaram à atriz Elsa Martinelli e sempre procuravam acompanhá-la onde quer que ela fosse. O diretor, Howard Hawks, filmou algumas cenas, mas estava decidido a eliminá-las por não conseguir encaixá-las no filme até ouvir a música que Mancini fez. A cena da perseguição da artista pelos filhotinhos não apenas foi salva por Baby elephant walk, mas tornou-se a mais célebre em um filme cheio de grandes momentos.


O filme A Pantera Cor-de-Rosa conta a história de um inspetor de polícia trapalhão no encalço do ladrão que roubou um famoso diamante que tem o nome do título. Mas a cena é roubada por uma outra pantera, desenhada pelo estúdio DePatie-Freleng, que só aparece durante a apresentação dos créditos do filme e cujas ações são marcadas pela música. O sucesso foi tal que a simpática pantera ganhou um programa de tevê para chamar de seu, com uma série de cartoons que foram exibidos durante muitos anos nas tevês do mundo. Como no filme, a ação nos cartoons é marcada apenas pela música. Sem diálogos. No vídeo, o nascimento da pantera cor de rosa.


Henry Mancini fez a trilha sonora de muitos filmes mais. Só sequências de A Pantera Cor-de-Rosa foram seis que Mancini musicou. Fez trilhas para filmes tão diversos quanto Arabesque, Um clarão nas trevas, Os girassóis da Rússia, Quando as águias se encontram, Instinto fatal, Regresso do Vietnam, Minha adorável espiã e muitos outros.
E teve uma trilha rejeitada por ninguém menos do que Alfred Hitchcock. O diretor inglês tinha rompido a sua longa parceria com Bernard Herrmann desde Cortina rasgada. Hitchcock estava convencido de que o declínio no sucesso dos seus filmes se devia à música de Hermann e queria um toque mais moderno.
Foi por isso que para Frenesi Hitchcock contratou Mancini, que assistiu ao copião e fez a música que julgou correspondente ao clima do filme. O problema é que lembrava justamente a música de Herrmann. Hitchcock descartou-a declarando que “se ele quisesse Bernard Herrmann teria contratado Bernard Herrmann.” Ron Goodwin compôs a trilha afinal usada.
Além de trilhas para filmes, Mancini eventualmente compôs para outros veículos. Fez as vinhetas de apresentação do programa de entrevistas de David Letterman e da The NBC Mistery Movies, que anunciava atrações noturnas dos domingos que ficaram famosas também no Brasil, como MacMillan, Columbo e McCloud, e para o Richard Boone Show. E ele mesmo conduzia um programa de tevê, The Mancini Generation, onde se apresentava com sua orquestra tocando suas músicas e de outros compositores.
Mancini compôs música para 88 filmes e quinze seriados, não contando as que fez anonimamente para a Universal, no seu começo de carreira. Concorreu ao Oscar em 18 oportunidades, ganhando a estatueta quatro vezes. Foi indicado para o Grammy 73 vezes e em 20 delas foi o vencedor.
Sua última trilha sonora foi para o filme Victor Victoria, mais uma vez com seu velho parceiro Blake Edwards. Mancini estava trabalhando na adaptação de Victor Victoria como um musical da Broadway quando foi diagnosticado com câncer do pulmão. Continuou trabalhando na adaptação, mas não chegou a concluí-la. Três canções de Leslie Bricusse e Frank Wildhorn foram incluídas.
Henry Mancini morreu no dia 14 de junho de 1994. A peça estreou dezoito meses depois. No dia da estreia, Julie Andrews, mulher de Blake Edwards e a principal atriz do musical, dedicou a sessão ao “grande ausente”, o amigo que estivera sempre presente em suas vidas e que tornara o mundo um lugar muito mais rico, graças à sua música.


Os dias de vinhos e rosas – parte 2

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 20 de outubro às 00:14

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O sucesso da série de TV Peter Gunn animou Blake Edwards a uma nova incursão no gênero. Henry Mancini foi mais uma vez convidado para fazer a trilha sonora. O seriado se chamou Mr. Lucky e o tema título que Mancini criou fez ainda mais sucesso do que o de Peter Gunn. Mas o seriado teve vida curta. Membros de associações que zelavam pelos “valores morais da América” externaram insatisfação pelo fato de a ação se passar em um cassino e pressionaram os produtores. Estes cederam, e o enredo foi transferido para um restaurante. A plateia perdeu o interesse pela série, que teve uma morte precoce.
Mas Peter Gunn e Mr. Lucky foram o passaporte de retorno de Blake Edwards e Henry Mancini para as grandes telas. A simbiose entre o diretor e o compositor durou trinta e seis anos. Sua última trilha sonora foi para Victor Victoria, ainda um filme de Blake Edwards. Foram ao todo 28 filmes em que foram parceiros.
O primeiro deles não foi propriamente um sucesso. Uma comédia trivial, Dizem que é amor, com Bing Crosby no papel principal, Mancini compondo música incidental e as canções encomendadas à dupla Jimmy Van Heusen & Sammy Cahn, passou meio despercebida. O segundo filme, Bonequinha de Luxo, foi um grande sucesso e rendeu à Mancini dois Oscar, um pela melhor trilha sonora e outro pela melhor canção, Moon River.
Mas não foi fácil emplacar a música no filme. A música era para a personagem de Audrey Hepburn e os produtores, de início, queriam contratar algum medalhão da Broadway para compor a canção. Mancini pediu a Blake Edwards uma chance para compor a canção. Até aí, tudo bem. Edwards confiava no taco do seu amigo.
O segundo passo foi um convite a Johnny Mercer para compor a letra. Mercer era um dos melhores letristas americanos. Para muita gente, o melhor, naqueles anos. Mas Mercer andava desanimado. O sucesso do rock estava tomando o espaço de outros gêneros musicais. Mancini mostrou-lhe a canção que compusera, explicou-lhe a cena do filme e lembrou-lhe que a música seria cantada pela atriz Audrey Hepburn, acompanhando-se no violão, e cujo alcance vocal era limitado.
Johnny Mercer elaborou três letras, até alcançar um resultado satisfatório. Mas ao entregar a letra a Mancini, comentou: “O tema é bom, mas não tem futuro fora do filme. Quem vai querer gravar uma valsa?” O prognóstico pessimista de Johnny Mercer não poderia estar mais errado. Moon River seria a música mais bem sucedida de Henry Mancini, com mais de mil gravações.
Um último obstáculo ainda surgiria. O diretor-chefe da Paramount Pictures, Martin Rackin, detestou a cena e, tão logo terminou a sessão prévia, sentenciou: “Essa droga de canção tem que cair fora”. Foram as mãos de Blake Edwards que quase caíram no pescoço de Rackin, tão indignado ele ficou. Conversa vai, conversa vem, a canção permaneceu. Resultado: Oscar de melhor canção. E Oscar de melhor trilha sonora original para Bonequinha de Luxo.


No ano seguinte, Mancini e Blake Edwards fizeram nova parceria. O filme foi Vício Maldito, um drama sobre o alcoolismo. Mancini convocou outra vez Johnny Mercer e, juntos, criaram mais uma pérola do cancioneiro americano: “The days of wine and roses”.
A música popular geralmente é construída em um modelo chamado AABA. Um primeiro tema (A) que é repetido, depois entra um segundo tema (B), chamado ponte, e o retorno ao tema inicial (A). A canção “The days of wine and roses” tem apenas o primeiro tempo e a sua repetição. Não existe a ponte nem a repetição final do primeiro tema. Foi tudo o que Johnny Mercer precisou para dar o seu recado.
Faço aqui uma tradução livre, onde se perde a poesia da letra de Johnny Mercer, para dar uma ideia pálida de como, em poucas palavras, Mercer abordou o tema das ilusões da juventude que se esfumaçam: “Os dias de vinho e rosas riem e correm para longe, como uma criança que brinca em um prado, em direção a uma porta onde está escrito “nunca mais”, uma porta que antes não estava ali. A noite solitária traz apenas uma brisa passageira cheia de lembranças do riso dourado que me leva aos dias de vinho e rosas e você.”
O protagonista de Vício Maldito foi Jack Lemmon. Ele e o diretor, Blake Edwards, foram convidados por Mancini e Mercer para ouvirem a canção título do filme. Mancini estava de costas para eles, ao lado de Mercer, que cantou a canção ao piano. Mancini contou que ao término, o silêncio foi total. Aguardou alguma manifestação, e nada. Uns dez segundos depois, ansioso, olhou para trás. As lágrimas corriam dos olhos de Jack Lemmon e Blake Edwards tinha os olhos úmidos. Nada precisou ser dito. The Days of Wine and Roses foi o segundo Oscar de Henry Mancini na categoria melhor canção. Nunca mais ninguém iria sugerir um outro compositor para as canções de seus filmes.

Capa em destaque – Breakfast at Tiffany’s (Bonequinha de Luxo) – Henry Mancini (1961)

A capa reproduz o clima do filme. Uma cena de Audrey Hepburn no papel de Holly Golightly, que trabalha como acompanhante de figurões. De origem humilde, é sustentada por um mafioso preso em Sing Sing, Holly sonha em ascender socialmente e um dia ser uma atriz de sucesso em Hollywood. Ate lá, faz de conta ser uma socialite requintada que tem a sofisticada Tiffany’s, na 5ª Avenida, como seu habitat natural. Tarefa não muito difícil quando é a naturalmente elegante Audrey Hepburn que encarna o personagem.

Bonequinha de Luxo


Os Dias de Vinho e Rosas – Parte I

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 12 de outubro às 18:30

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Henry Mancini e Sansão têm uma coisa em comum: um corte de cabelo mudou suas vidas. No caso de Sansão, como todos sabem, foi o começo do fim. No de Henry Mancini, o começo dos dias de vinho e rosas. Que, neste caso, ao contrário do que diz a letra que Johnny Mercer fez para aquela canção, duraram muitos anos.
Corria o ano de 1958. Henry Mancini tinha 34 anos, três filhos, e acabava de ser despedido da Universal Pictures, o estúdio de Hollywood que, atravessando uma crise financeira, estava cortando gastos. Sem saber muito bem o que iria fazer dali para a frente, Mancini entrou na barbearia do estúdio. Economizaria alguns trocados enquanto pensaria no futuro.
Na barbearia, Blake Edwards tinha acabado de cortar o cabelo. Quando o viu, foi logo dizendo; “Henry Mancini? Eu estava mesmo à sua procura.” E foi lhe contando sobre uma série televisiva que iria dirigir. Para adoçar a pílula, foi dando exemplos de pessoas que tinham feito da TV um trampolim para o cinema. Nem precisava gastar muito o seu latim. Mancini estava interessado. Afinal, como depois disse “eu não estava propriamente assoberbado de trabalho.” Ali iria começar uma parceria e amizade que duraria 36 anos e muitos filmes.
Mancini deveria escrever alguns temas da série e as músicas incidentais de cada episódio. Receberia 250 dólares por semana. A série se chamaria Peter Gunn. O personagem seria um detetive particular requintado, ao contrário dos tipos durões da tradição da literatura policial americana, cuja namorada era crooner em uma boate.
Mancini foi ousado. Criou diversos temas jazzísticos e convenceu a produtora a dispensar os seus músicos de estúdio, que segundo Mancini, eram bons mas não tinham muito swing, substituindo-os por jazzistas de fato. A série foi um sucesso. A música título, gravada por Ray Anthony, em um single, vendeu 100.000 cópias.
A gravadora RCA aceitou o desafio de gravar um LP com os temas da série. Henry Mancini marcou um jantar com Shorty Rogers, seu amigo e um artista de sucesso, para gravar o disco. Foi surpreendido por Rogers, que rebateu: “E por que você mesmo não grava? Você já fez as músicas, os arranjos, tudo está pronto. É seu bebê. Você tem que criá-lo.” Mancini ainda argumentou que era um compositor e arranjador, não um executante, mas Shorty Rogers foi irredutível em sua posição.
A RCA aceitou que o próprio Mancini se encarregasse das gravações, mas, prudente, mandou prensar apenas 8.000 cópias. O sucesso do disco foi fulminante e surpreendente. Pulou para o primeiro lugar na parada de sucessos onde ficou oito semanas e vendeu 1.000.000 de cópias. Quando saiu do primeiro posto, permaneceu em posições secundárias durante dois anos. Ao todo, vendeu mais de 2.000.000 de cópias, algo completamente inédito para discos de jazz e, mais ainda, para uma trilha sonora de série televisiva.
Henry Mancini nasceu Enrique Nicola Mancini, em Cleveland, Ohio, em 1924, filho único de imigrantes italianos. O pai era flautista amador e aos oito anos o garoto começou a aprender flauta piccolo, obrigado pelo pai, que batia em suas mãos, quando errava. Curioso é que o pai desaprovava a opção que o filho depois fez pela carreira de músico e a relação entre eles foi sempre carregada por certo grau de tensão.
Aos 18 anos, Mancini foi para nova Iorque, onde conseguiu uma bolsa na Julliard School. Mas os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial e Mancini foi convocado. Um amigo propôs-lhe fazer um teste com Glenn Miller, que viajava com sua orquestra tocando para os soldados no front. Glenn Miller não incorporou o jovem à sua orquestra, mas quando Mancini terminou seu treinamento básico foi surpreendido com a sua designação para uma banda militar. A recomendação tinha sido do capitão Glenn Miller.
Findo o conflito, Mancini conseguiu um trabalho como pianista-arranjador na orquestra de Tex Beneke, constituída por antigos músicos da orquestra original de Glenn Miller, que morreu na guerra. A orquestra de Beneke tocava no estilo de Miller. Foi lá que ele conheceu a cantora Ginny O’Connor.
Eram namorados quando os Mello-Larks (este era o nome do quarteto vocal da orquestra de Tex Beneke) receberam um convite para trabalhar em pequenos números musicais em filmes da Universal. Mancini, já enrabichado por Ginny, decidiu-se a largar tudo e acompanhá-los. Afinal seu sonho de adolescente era fazer músicas para filmes.
Ginny se mostraria sua maior incentivadora. Muito mais do que o próprio Mancini ela parecia acreditar nas suas possibilidades como músico. Foi ela quem conseguiu que Joseph Gershenson, chefe do departamento musical da Universal Pictures, o contratasse para o time de compositores do estúdio.
E foi assim, como parte de um time, e não creditado, que Mancini começou a compor trechos para “pérolas” como Francis, o burro falante, Perdidos no Alaska (com Abbott & Costello) e filmes de baixo orçamento de Jack Arnold, que virariam “cult”, como O monstro da Lagoa Negra, Tarântula, e Veio do espaço. O compositor recuperaria alguns destes temas em uma suíte que gravaria futuramente (em 1990) como Monster Suite Movie Music.
Em 1954, a Universal decidiu filmar a história de Glenn Miller (Música e lágrimas) e, naturalmente, encarregou Henry Mancini, dada a sua experiência com a orquestra de Tex Beneke, para fazer os arranjos. Dias depois, Mancini encontrou-se com Victor Young, o seu ídolo, que estava fazendo a música para A Fonte dos Desejos. Foi até o mestre dizer o quanto admirava o seu trabalho. Victor Young, claro, ficou satisfeito em ouvir os elogios daquele jovem desconhecido e, cortesmente, perguntou-lhe o que estava fazendo. Ao saber do filme sobre Glenn Miller, aconselhou-o. “Mas não deixe de incluir um tema original seu.”
Mancini ouviu o conselho do mestre. E compôs um tema, a que denominou “Too little time” para pontuar as cenas românticas de Glenn Miller. O tema não foi incluído na trilha sonora do filme, que apenas contém músicas consagradas por Miller. Mas foi pouco depois gravada por um dos maiores nomes de Hollywood. O mesmo Victor Young que lhe dera o precioso conselho e soubera ver a beleza do tema no meio das músicas de Glenn Miller.

No vídeo abaixo, Henry Mancini, em 1983, liderando uma performance de Peter Gunn.


A difícil convivência de Gonzagão e Gonzaguinha – Final

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 27 de setembro às 23:23

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Ainda menino, Gonzaguinha começou a se interessar pela música. Não é surpreendente que tenha escolhido o violão como instrumento, ao invés da sanfona. Seu contato com o pai era ocasional e Xavier, o pai de criação, era violonista. Aprendeu a tocar violão observando Xavier e depois tentando, sozinho, ¨tirar um som.” E, adolescente, a sua veia de compositor começou a se manifestar. Suas primeiras criações eram sobre “praias e garotas”, mas só os amigos da época as conheceram.
Curada a tuberculose, Gonzaguinha decidiu que era hora de morar com o pai, na Ilha do Governador. Não teve uma vida fácil. Gonzagão pouco parava em casa e o relacionamento com a madrasta continuava complicado. Quando em casa, Gonzaguinha se enfurnava no pequeno quarto e ficava horas dedilhando o violão.
Os poucos dias que o pai passava em casa eram conflituosos. A relação entre eles era distante e o costume nordestino do pai de falar no imperativo (“faça isso”, “venha cá”) estimulava a rebeldia do adolescente. Era também a época da ditadura, outra fonte de discórdia. Afinal de contas, as composições do garoto começaram a ganhar um sentido político. Para Gonzagão, que servira dez anos no exército e incorporara um sentido de obediência, de disciplina militar mesmo, o comportamento do rapaz era inaceitável. Em uma das discussões, o pai arrebatou e despedaçou o violão do garoto rebelde.
Uma outra fonte de discussão era a obstinação de Gonzagão de “ter um filho doutor.” Tendo conhecido a miséria, o filho formado seria o símbolo de sua vitória na vida. Gonzaguinha deu essa satisfação ao velho. Mesmo sem entusiasmo, concluiu o curso de economia para fazer a vontade do pai.
Gonzaguinha fazia questão de não pedir nada ao pai. Entre os amigos, ganhou a fama de “Tio Patinhas” porque ninguém acreditava que o filho de Luiz Gonzaga não tivesse um tostão. Mas o dinheiro que Gonzaguinha tinha era o que obtia dando aulas de violão.
E foi assim, macérrimo, mal vestido e com os dentes estragados que Gonzaguinha conheceu o grupo da rua Jaceguai, na Tijuca, onde sua vida tomaria um novo rumo. Lá conheceu Ângela, filha do dono da casa, com quem casaria. Lá também conheceu Ivan Lins, César Costa Filho, Aldir Blanc e outros aspirantes a compositores, com quem formou o MAU, Movimento Artístico Universitário.
Com as primeiras vitórias nos festivais, o grupo tornou-se conhecido e foi convidado pela Rede Globo para comandar um programa musical, que foi batizado de Som Livre Exportação. O programa teve duração curta, mas alicerçou as carreiras de Gonzaguinha e de Ivan Lins. Aldir Blanc também logo iniciaria sua parceria com João Bosco.
Gonzaguinha assinou contrato com a Odeon e gravou um compacto simples. Cantou a música “Comportamento Geral” no programa de Flávio Cavalcanti e provocou um pequeno escândalo entre os “jurados”. Provavelmente se sentiram enquadrados na letra, que lá para às tantas, rezava: “Você deve aprender a baixar a cabeça e a dizer sempre: Muito Obrigado.” Um ultraje, um absurdo, um escândalo, disseram. O que só serviu para chamar a atenção do público e provocar um disparo nas vendas.
Com a excelente vendagem do compacto, a Odeon se animou para lançar um LP. Gonzaguinha submeteu 28 músicas à censura. Dez foram liberadas e foi com essas músicas que, em 1973, “Luiz Gonzaga Jr.” chegou às lojas. Um disco “com uma atmosfera de violência e revolta”, escreveu Tárik de Souza, para, logo adiante, reconhecer: “Todas as canções são, contudo, indiscutivelmente bonitas.” Poucos puderam conferir. Os censores chegaram à conclusão que tinham se equivocado em liberar algumas daquelas canções e mandaram recolher o disco.
Gonzaguinha foi aos poucos ganhando prestígio no meio musical. Com isso, também começou a conquistar o respeito de Gonzagão. Afinal, o filho não era um inútil, um “comedor de bolachas”, como ele receava. Tinha brilho próprio. Foi quando uma crise de tosse acompanhada por escarro sanguinolento trouxe a má notícia. A tuberculose recidivara.
Foram nove meses afastado do convívio do público e da mulher, que estava grávida. Um tempo em que Gonzaguinha refletiu sobre sua vida: “Cheguei à conclusão de que não precisava ser tão amargo, tão agressivo, e fui mudando aos poucos.(…) Redescobri meu lado moleque, extrovertido, que estava abafado por desesperanças estéreis e situações incômodas.” A mudança foi mesmo aos poucos, mas expressiva. Afinal, ninguém diria que quem escreveu “Desde quando sorrir é ser feliz?/ Cantar nunca foi só de alegria / Com tempo ruim todo mundo também dá bom dia” (Palavras, 1973) é a mesma pessoa que escreveria “Viver e não ter a vergonha de ser feliz/ E cantar e cantar e cantar / A beleza de ser um eterno aprendiz” (O que é, o que é, 1982).
A mudança de atitude de Gonzagão quanto à Gonzaguinha e de Gonzaguinha quanto à vida contribuiu para demolir às barreiras. Gonzaguinha sempre desejara o respeito do pai e se aproximar dele. Agora isso era possível. Entrevistas, com referências elogiosas de parte a parte, ajudaram a aplainar o terreno para que, por fim, levaram ao show “Vida de viajante”, de 1980, onde dividiram o palco. O sucesso foi completo. Mais do que isso. Consolidou a reaproximação entre pai e filho.
Depois disso, permaneceram próximos. Ainda em 1980, Gonzaguinha criou a “Ação Produções”, para gerenciar sua carreira. Logo passou a empresariar também o pai e outros artistas, como Dominguinhos, Lulu Santos, Guilherme Arantes, João Bosco, Beto Guedes e Premeditando o Breque.
Quando Gonzagão morreu, em 1989, Gonzaguinha se encarregou de montar o Museu Luiz Gonzaga, em Exu, que inaugurou em 13 de dezembro, dia em que o velho Lua completaria 77 anos.

Nos vídeos abaixo, Maria Rita canta “Comportamento Geral”, Maria Bethânia canta “Palavras” e Gonzaguinha canta “O que é, o que é”


A difícil convivência de Gonzagão e Gonzaguinha – Parte 1

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 20 de setembro às 22:21

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Em 1980, Gonzagão e Gonzaguinha saíram em excursão pelo país. A música “Vida de viajante”, cantada em dueto pelos dois, virou sucesso nacional. A troca de elogios e de referências carinhosas entre os dois não deixava entrever que até poucos meses a relação entre os dois quase sempre oscilava entre a indiferença e a franca hostilidade.
A semente da discórdia estava plantada já antes do nascimento de Gonzaguinha e para compreendê-la temos que voltar até o tempo em que Gonzagão iniciava a sua vida artística. Severino Januário, o pai de Luiz Gonzaga, tocava e consertava foles e sanfonas. Assim, o menino logo aprendeu a tocar o instrumento e, ainda adolescente, já tocava aqui e ali, animando festas nas fazendas da vizinhança.
Aos 18 anos, Luiz Gonzaga fugiu de casa, depois de ameaçar um figurão de Novo Exu, que não aceitava o namoro do rapazinho com sua filha. Sem perspectivas, alistou-se no exército, onde ficou por dez anos. Concluído esse tempo, recebeu baixa compulsória e foi transferido para o Rio de Janeiro, para aguardar um navio que o transportaria de volta Pernambuco.
Sua bagagem resumia-se praticamente a uma sanfona. Outro ex-soldado, que também aguardava transferência, perguntou-lhe se não queria ir até o Mangue tentar descolar uns trocados. O Mangue era uma zona boêmia do Rio, frequentada por marinheiros, meretrizes, malandros de diferentes matizes, e outros espécimes de uma fauna muito variada.
Luiz Gonzaga aceitou. Encontrou um local que parecia promissor e logo começou a tocar sua sanfona. Depois de algum tempo, notou que alguém o observava com insistência. Meio intimidado, perguntou a um amigo recém-conquistado, frequentador do Mangue, quem era aquela pessoa. A resposta não o tranquilizou muito. Era o “dono” do ponto do qual ele, sem cerimônias, tinha se apossado.
Mas o estranho mostrou ser de boa paz. Conversaram um pouco e logo Luiz Gongaga e o violonista Xavier Pinheiro já estavam ensaiando tocar juntos. Algumas horas depois, Xavier perguntou a Gonzaga onde ele morava. Ouvindo a história do sanfoneiro, Xavier convidou-o para morar com ele e a mulher, Leopoldina Xavier, mais conhecida como Dina, em um barraco do Morro de São Carlos. Nquele momento o retorno de Luiz Gonzaga para Pernambuco foi adiado.
Na época, Gonzaga tocava valsas, tangos, e o que fosse sucesso. Um dia, enquanto peregrinava tocando de bar em bar, colhendo uns trocados aqui e ali, deparou-se com um grupo de cearenses, entre os quais estava o futuro Ministro da Justiça, Armando “Nada a declarar” Falcão. Os cearenses perguntaram por que ele não tocava as músicas típicas do nordeste, ao invés do que todos tocavam. Gonzaga atendeu ao pedido. Os nordestinos presentes se entusiasmaram e a féria de Luiz Gonzaga aumentou significativamente. O sanfoneiro encontrara o seu estilo.
Foi em suas andanças pelo Mangue, em um dancing, que Luiz Gonzaga conheceu Odaléia Guedes dos Santos, que trabalhava como dançarina, mas que tinha ambições de um dia se tornar cantora. Depois de certo tempo de namoro, Léia engravidou. Luiz Gonzaga alugou um porão em um prédio no Estácio. Vindo dos grotões pernambucanos, para Luiz Gonzaga o papel da mulher era ficar cuidando da casa, esperando pelo marido. Nesse tempo, Luiz já se aventurava em viagens, passando dias fora de casa.
A união não deu certo. Acostumada ao ambiente artístico, Odaléia não se conformava com essa imposição e às vezes procurava os antigos amigos no dancing. Algo impensável para Luiz Gonzaga. O relacionamento foi marcado por brigas homéricas, separações e reconciliações. Entre uma briga e outra, deu-se o parto. O rebento foi batizado como Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior.
Quando Gonzaguinha tinha dois meses, a tuberculose de Odaléia foi descoberta. Gonzaga providenciou a internação da mulher em um sanatório e pediu aos amigos Xavier e Dina que cuidassem do bebê.
Quando Odaléia saiu do sanatório, meses depois, Luiz Gonzaga já tinha engatado um namoro com Helena Cavalcanti, que contratara para organizar sua agenda e sua vida, e disse a Odaléia que não iria mais viver com ela. Odaléia morreu quando Gonzaguinha tinha 2 anos. No mesmo ano, Luiz e Helena casaram-se. Helena não admitia a ideia de criar um filho de Luiz Gonzaga com outra mulher, e Gonzaguinha foi crescendo com o casal Xavier, que ele sempre considerou seus pais de fato.
Helena nunca engravidou. Quando perguntada, dizia que Luiz Gonzaga tinha ficado estéril depois de uma doença venérea adquirida anos antes, o que levantou a suspeita de que o pai de Gonzaguinha seria outra pessoa. Outros afirmam que era Helena a estéril. Como Luiz Gonzaga nunca a desmentiu, o suspeita prosperou. Futuramente, viriam a adotar Rosinha.
A polêmica nunca foi esclarecida. Apesar de em certa ocasião terem colhido material para exame de DNA, nem Gonzagão nem Gonzaguinha chegaram a encaminhar o material para um laboratório. Elizeth Cardozo, antiga amiga de Odaléia, brandiu um argumento de peso: “Você acha que um nordestino iria registrar alguém com o próprio nome se tivesse alguma dúvida?”
Talvez para não contrariar a mulher, que tinha um temperamento forte, Luiz Gonzaga mal tinha contacto com o filho. Ele dava dinheiro a Xavier para custear os estudos e outras despesas do garoto, mas a convivência entre pai e filho era mínima. Assim, Gonzaguinha cresceu no Morro de São Carlos, longe da influência e do afeto do pai famoso e de D. Helena, a quem futuramente se referiria como “má-drasta”.
Quando tinha 12 anos, Gonzaguinha começou a acumular queixas dos vizinhos por mau comportamento. Quando Luiz Gonzaga soube decidiu internar o garoto em um colégio com fama de disciplinador, perto da cidade de Vassouras. Gonzaguinha odiou a experiência. Sendo um garoto mirrado, que se alimentava mal e mal agasalhado, começou a apresentar episódios de febre, tosse persistente, inapetência, prostração. O temido diagnóstico confirmou-se: tuberculose pulmonar.


O lento suicídio de Chet Baker

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 12 de setembro às 21:59

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Gene Lees, escrevendo sobre a longa imersão de Bill Evans no mundo das drogas, proclamou: “Foi o suicídio mais lento da história.” A mesma frase poderia ser usada em referência a Chet Baker. Talvez até com mais propriedade. Porque enquanto Bill Evans conservou a sua musicalidade e sua dignidade, Chet Baker foi gradativamente transformando-se numa sombra do que era, uma alma errante de cidade em cidade, sem um pouso certo, submetendo-se a situações humilhantes em busca de um local onde pudesse comer alguma coisa, descansar e conseguir mais um suprimento de drogas.
Chet foi essencialmente um autodidata. Aos treze anos ganhou do pai um trombone. Mas não conseguia lidar com o instrumento. Pequeno como era, seus braços não tinham a envergadura necessária para extrair corretamente os sons do instrumento. Duas semanas depois, seu pai conformou-se: Chet nunca seria um novo Jack Teagarden, o trombonista que ele admirava. Sendo assim, melhor trocar o trombone por um instrumento mais adequado ao porte do garoto mirrado. Foi assim que Chet ganhou o seu primeiro trompete.
Chet teve aulas do instrumento na escola de sua cidade, mas pouco depois abandonou o estudo formal e foi “descobrindo” o instrumento por conta própria, tocando com músicos de sua cidade. Em consequência, Chet tinha deficiências técnicas, limitava-se aos registros médios do instrumento, não sabia ler partituras e suas habilidades para compor eram mínimas. Mas com tudo isso, Chet conseguia uma sonoridade expressiva e executava solos marcntes, que mesmerizavam seus ouvintes.
Foi com o quarteto de Gerry Mulligan que Chet Baker começou a se destacar. Em 1952, Gerry Mulligan lançou o inovador quarteto sem piano, formado por ele no sax, Chet no trompete, Bobby Whitlock no baixo e Chico Hamilton na bateria, quando o West Coast Jazz (cool jazz) começava a florescer. Foi neste quarteto que Chet Baker tocou pela primeira vez a música que o acompanharia o resto da vida: “My Funny Valentine”.
O quarteto fez enorme sucesso, mas durou pouco tempo. O motivo? A prisão de Gerry Mulligan pelo uso de drogas. Drogas entre os músicos de jazz eram uma epidemia. E por esse tempo Chet já era usuário. Ele conta, no livro “Memórias Perdidas” (um esboço de autobiografia) como começou: “Andy foi também a primeira pessoa a me apresentar à maconha, abençoado seja. Gostei e continuei a fumar durante oito anos, até começar a me picar e, finalmente, me viciar. Gostei muito de heroína e usei-a quase que continuamente, de um jeito ou de outro, durante os vinte anos seguintes.”
Com o fim do quarteto de Gerry Mulligan, Chet organizou o seu próprio grupo. Com pinta de galã de Hollywood e um trompete com uma bela sonoridade não tardou a amealhar fans entre o público e os críticos. Seu público aumentou mais ainda quando também passou a cantar, embora tenha desagradado os jazzistas mais ortodoxos que consideravam aquilo uma herética concessão ao mundo pop.
Curioso que muitos brasileiros consideram que João Gilberto de algum modo se espelhou em Chet Baker quando começou a cantar bossa nova, já que Chet tinha uma voz de alcance curto, mas que sabia colocar bem. O boato talvez tenha prosperado porque João Gilberto nunca aparentemente se interessou em desmenti-lo. Mas cantores com “pouca voz” existem desde que a melhora dos equipamentos de gravação decretaram o fim da exclusividades dos vozeirões na arena musical. No Brasil, Mário Reis foi um dos primeiros a aproveitar o avanço tecnológico para, mesmo com “pouca voz”, firmar-se como intérprete.
E é questionável que João Gilberto tem “pouca voz.” Quando veio da Bahia para o Rio de Janeiro, em 1950, foi com a finalidade explícita de substituir Jonas Silva como crooner no grupo vocal “Garotos da Lua” porque Jonas tinha “pouca voz”. Em Juazeiro, onde cresceu, João era conhecido por cantar à la Orlando Silva, seu ídolo. E não se pode dizer que Orlando Silva era um “sem voz”.
De volta à Chet Baker. O sucesso trouxe uma melhora financeira, mas por poucos anos. O uso imoderado de heroína logo cobraria seu preço. As apresentações do artista eram imprevisíveis. Muitas vezes, chegava ao palco sem condições de tocar ou o show era de má qualidade. Em San Francisco, não tendo dinheiro para pagar as dívidas com os fornecedores de drogas, foi espancado e teve seus dentes quebrados, o que comprometeu ainda mais a sua capacidade de tocar o trompete.
No final da década de 1960, foi para a Europa. A Europa foi, muitas vezes, um porto seguro para jazzistas que estavam com problemas nos Estados Unidos. Mas Chet colecionou passagens pelas prisões de diversos países (Itália, Alemanha, França, Inglaterra). No intervalo entre as prisões, gravou discos com artistas locais, com as baladas de sempre. É quase incontável o número de vezes que ele gravou “My Funny Valentine”. Às vezes, o artista ressurgia e, mesmo com a voz e a embocadura do trompete comprometidas, conseguia gravações de forte impacto emocional. Em outras, o que se via era um triste retrato de um artista decaído.
Chet Baker morreu aos 59 anos, em Amsterdam. Foi encontrado morto na calçada do seu hotel em Amsterdam, tendo caído do segundo andar, onde ficava o seu quarto. Queda acidental? Suicídio? Assassinado por traficantes? Nunca ficou esclarecido. Fisicamente, aparentava muito mais idade do que tinha. Um corpo e mente devastado pelas drogas, em um ritual incessante que durou mais de trinta anos. A sua vida e morte trágicas lhe conferiram uma auréola de gênio do jazz. Um exagero. No panteão do jazz existem muitos nomes maiores do que o dele. Mas foi um grande músico com uma vida torturada, o que gera compadecimento e um olhar benévolo para a obra.

No vídeo, uma gravação de “My Funny Valentine”, em um show realizado em Tóquio, em 1987.

Capa em destaque – Astrud Gilberto – I Haven’t got anything better to do (1969)

Astrud estourou no mundo com a versão em inglês de “Garota de Ipanema”, extraida do álbum Getz/Gilberto e lançada como um single. Aos poucos, Astrud procurou firmar-se como uma cantora que ia além da bossa nova. Neste disco do selo Verve, uma gravadora dedicada ao jazz, apenas uma música brasileira entre canções de Jimmy Webb, Harry Nilsson e Burt Bacharach. A capa do disco é tomada por um close-up do belo rosto do Astrud, feita por Joel Brodsky, com os olhos marejando, em uma suave iluminação lateral, que deixa o lado esquerdo na penumbra. A cantora disse ser um disco para ouvir ao pé da lareira, acentuando o clima intimista álbum e que a capa sugere.


Rua Jaceguai, 27

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 5 de setembro às 23:36

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Rua Nascimento e Silva 107. Um endereço, no Rio de Janeiro, que ficou célebre na música brasileira desde “Carta ao Tom”, de Toquinho e Vinicius, que começa com os versos “Rua Nascimento e Silva 107/ você ensaiando com a Elizete/ as canções de “Canção do Amor Demais.” A referência é ao antigo endereço de Tom Jobim, em Ipanema, onde o maestro ensaiou com a cantora Elizeth Cardoso as músicas que figurariam no disco “Canção do Amor Demais”.
Todas as músicas eram dos parceiros Tom e Vinicius e pela primeira vez se ouviria, em duas faixas, o violão de João Gilberto, mesmo contra a vontade da cantora, que não mostrou o menor entusiasmo pela batida que iria gerar a bossa nova.
A música daria, no futuro, origem a uma paródia de Tom Jobim, para mostrar a perda de qualidade de vida no Rio: “Rua Nascimento e Silva 107/Eu fujo correndo do pivete/Tentando alcançar o elevador.”
Outro endereço famoso na Cidade Maravilhosa foi o do apartamento de Nara Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana, onde a dita cuja, acompanhada por Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra, Chico Feitosa e outros menos votados embalavam a recém-nascida bossa nova.
Um terceiro endereço carioca, bem menos conhecido, mas não menos importante, ficava na Rua Jaceguai 27, no bairro da Tijuca. Ali, nos idos de 1966, morava o médico Aluizio Augusto Porto Carrero de Miranda, um pediatra que cultivava um grande amor pela música e nas noites das sextas feiras e nos sábados, durante todo o dia, abria sua casa para reuniões onde todos eram bem-vindos. O proprietário cedia o espaço. Os frequentadores levavam o rum e as Coca-Colas, para os tradicionais cuba-libres, e, vem por outra, alguém se lembrava de levar alguma comida para espantar a fome.
As pessoas cantavam e recitavam poesias, e os “apresentadores”, amadores, em sua maioria, e profissionais, eventualmente, se sucediam, emendando a sexta com o sábado. O rol de artistas que eventualmente passaram por ali é de fato impressionante: Milton Nascimento, Cartola e Dona Zica, Os Cariocas, Ney Matogrosso, João do Vale, Emílio Santiago, João Bosco, Guinga, Nelson Cavaquinho, Clementina de Jesus e muitos, muitos outros.
Mas o interesse desse endereço não é decorrente dos frequentadores eventuais, mas dos regulares. Como o grupo de jovens tijucanos Ivan Lins, Aldir Blanc, César Costa Filho e Paulo Emílio, aspirantes a músicos. Engrossado por oriundos de outros bairros, como o futuro maestro Eduardo Lage, que se tornaria arranjador de Roberto Carlos. E do então morador na Ilha do Governador, Luiz Gonzaga Jr.
Foi ali, nos saraus da rua Jaceguai, que esses jovens começaram a afiar as garras e fortalecer os músculos para entrarem na arena da MPB. Gonzaguinha, embora no começo fosse um estranho no ninho, logo se sentiu tão à vontade ali que em pouco tempo se fez de casa. Tanto que logo engatou um namoro, que terminou em casamento, com Ângela, uma das duas filhas do médico.
A troca de experiências entre eles começou a fluir naturalmente. Ivan Lins, referindo-se a Gonzaguinha, disse, muitos anos depois: “Na Jaceguai comecei a descobrir um compositor talentosíssimo, completo, não só na música, mas também no texto. Ele tinha uma maneira muito incisiva de colocar seus pontos de vista poeticamente, e sempre por trás uma música boa, muito boa. Tinha uma forma maravilhosa de tocar violão. Para dizer a verdade, de todos ali, foi o que mais me fascinou.”
Aos poucos, os compositores foram se arriscando nos festivais e os bons resultados começaram a aparecer: César Costa Filho conquistou o 3º lugar no I Festival Universitário da Canção Popular (1968), com a música “Meu Tamborim” e Gonzaguinha o 1º lugar na segunda edição daquele festival com “O Trem”.
Mas depois dos festivais ficavam sem oportunidades desapareciam. A rua Jaceguai foi o berço do MAU, Movimento Artístico Universitário, uma associação para dar-lhes maior visibilidade. Fizeram deles o lema dos “Três Mosqueteiros”: Um por todos e todos por um. Um colete de feltro azul marinho seria a marca registrada dos “mauistas”.
Fala Ivan Lins: “O que nos motivou a estar juntos foi abrir o mercado de trabalho. Fomos para os teatros como MAU, Movimento Artístico Universitário, usando a palavra universitário para chamar a atenção. Veio o V Festival Internacional da Canção (1970) e eu virei a estrela do MAU, seguido por Gonzaguinha e César Costa Filho.”
Ivan Lins conquistou o segundo lugar naquele festival (“O Amor É Meu País”) e Gonzaguinha o quarto (“Um Abraço Terno Em Você, Viu Mãe?). O sucesso despertou a atenção da Rede Globo, que os contratou para um novo programa musical, batizado de Som Livre Exportação. O programa era apresentado por Ivan Lins e Elis Regina e tinha, no seu elenco fixo, além do pessoal do MAU, Os Mutantes e a Brazuca, de Antonio Adolfo. A direção era de Solano Ribeiro, criador dos primeiros festivais musicais da tevê.


A intenção era de fazer quatro programas por mês, mas as coisas não fluíram suavemente. Havia a censura, sempre vigilante. E a dificuldade de conciliar diferentes vertentes musicais para uma plateia intransigente. Cantores “populares”, como Agnaldo Timóteo, eram grosseiramente hostilizados. E os artistas “engajados”, preferidos pelo público, tinham problemas com os censores.
O programa durou seis meses. Foi o suficiente para detonar o MAU. O contrato inicial era de apenas dois meses, para testar a ideia. Ao término do período, a Globo propôs renovar com Ivan Lins, Gonzaguinha e César Costa Filho. Outros nove integrantes do MAU seriam excluídos.
Ivan Lins resolveu aceitar. A justificativa dele foi de quem nem todos no MAU estavam, como ele, determinados a ser um profissional da música. A atitude dele não foi bem aceita pelos excluídos. O “Um por todos e todos por um” estava cancelado. Em menos de um ano, Gonzaguinha e César Costa também tinham assinado contratos individuais. Logo depois o senhorio do Dr. Aluizio Porto Carrero solicitou o imóvel. A história da rua Jaceguai 27 na música brasileira tinha chegado ao fim.