Surge Joe Cocker (com um pequena ajuda dos amigos)

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 4 de janeiro às 17:09

Tweetar

O Festival de Woodstock, em 1969, foi um marco na história da música. Durante três dias, entre 300.000 e 500.000 pessoas aglomeraram-se em uma fazenda no estado de Nova Iorque, enquanto trinta e duas atrações se revezavam no palco. Algumas apresentações foram eternizadas no filme de Michael Waldleigh (com um aprendiz Martin Scorcese como um dos assistentes de direção): The Who, em “We’re not gonna take it”, um iniciante Santana em “Soul Sacrifice”, Richie Havens, cantando “Freedom” captando a atenção de uma plateia mundial e as duas apresentações pelas quais o festival mais frequentemente é lembrado: Jimi Hendrix tocando “Star Spangled Banner/Purple Haze” e a mesmerizante interpretação de Joe Cocker em “With a little help from my friends”.
Desde o início, Lennon e McCartney foram as figuras dominantes nos Beatles. Eles compunham as canções originais e decidiam entre os dois quem seria a voz principal em cada música. E concediam que George Harrison e Ringo Starr vez por outra liderassem o vocal. Faziam um agrado aos dois companheiros e aos fãs. Com o tempo, George decidiu arriscar-se na arte da composição e a conquistar um espaço maior, embora menor do que julgava merecer, nos discos do grupo.
Em Ringo Starr, a veia de compositor era quase inexistente. Assim, Ringo tinha mesmo que se contentar com o que Lennon e McCartney lhe ofertavam. Obviamente, não eram as melhores canções. Uma musiquinha gaiatinha aqui (Yellow Submarine), uma mais ou menos acolá (Act Naturally) e a vida e os discos iam passando.
Para o disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, a cota de Ringo foi “With a little help from my friends”. Não é uma má música. Longe disso. Mas não era um dos destaques. Desde o lançamento, “Sgt.Pepper’s” foi incensado como um disco excepcional, mas as que mereciam mais atenção eram “A Day in the Life”, “Lucy in the Sky With Diamonds”, “She’s Leaving Home”, “Lovely Rita” e a própria faixa-título. E foi assim até Joe Cocker e o Festival de Woodstock.
Em oito minutos Joe Cocker trouxe “With a little help from my friends” para o palco principal. Descabelado, com uma roupa “psicodélica”, como era comum naqueles anos, movendo o corpo como um mamulengo que tocava ora uma guitarra, ora um teclado imaginários, e acompanhado por uma ótima banda de apoio (The Grease Band), hipnotizou o público com sua versão “soul”. Paul McCartney declarou ter ficado estupefato com a transformação da música. “Ele fez dela um hino da “soul music” e eu serei eternamente grato a ele por isso.”

Joe Cocker e a lendária interpretação de “With a little help from my friends” no Festival de Woodstock (1969)

Joe Cocker cantou 10 músicas em Woodstock – Uma das primeiras foi “Something’s coming on”. Título profético.

A gravação era um sucesso na Inglaterra. Era a música título do LP que Joe Cocker tinha lançado poucos meses antes, com Jimmy Page na guitarra, mas era desconhecido no resto do mundo. A sucesso em Woodstock deu fama mundial a Cocker, mas sua carreira continuou fundamentada principalmente em versões cover.
Embora nenhuma de suas apresentações subsequentes tenha conquistado o imaginário do público como a de Woodstock, seguiu fazendo sucesso, com versões bem sucedidas de “Cry me a river”, “Delta Lady” “You’re so Beautiful”, “The Letter”e “Unchain my heart”, por exemplo. Com a última chegou a concorrer ao Grammy. E continuou revisitando o repertório dos Beatles. “She came in through the bedroom window”, “Something” e “Come together” também foram alvo de sua atenção.
Por vezes, Joe Cocker ensaiava alguns passos pela estrada principal da música pop. Em uma dessas incursões gravou, na companhia de Jennifer Warnes, “Up where we belong”, música tema do filme “A Força do Destino”. A música foi número um da parada de sucessos americana por três semanas. De quebra, ganhou o Oscar de “Melhor Canção”, Globo de Ouro, Bafta e Grammy, em 1983.
John Robert Cocker morreu de câncer de pulmão no dia 22 de dezembro de 2014. Joe Cocker vive.

Let’s get stoned – Joe Cocker em Woodstock (1969)


Canções Natalinas (Final)

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 26 de dezembro às 21:47

Tweetar

Pobre, preto, homossexual, depressivo. Uma combinação capaz de dificultar a vida de qualquer um, mesmo nos dias de hoje. Imagine-se, então, na primeira metade do século XX. Pois foi com todo esse fardo que viveu Assis Valente. Nasceu pobre, mas só morreu pobre por ser totalmente imprevidente. Assis chegou a ganhar bastante dinheiro durante alguns anos, tanto como protético, cujos trabalhos eram elogiados por todos, como na condição de compositor de sucesso durante alguns anos. Mas gastava mais do que ganhava e quando chegaram os anos das vacas magras estava completamente despreparado.
Suicidou-se em 1958, após tomar formicida diluído em guaraná. Tinha provavelmente 46 anos e um histórico de tentativas de suicídio. Em uma delas, nos idos de 1941, saltou de modo espetacular do alto do Corcovado. Por um golpe de sorte, caiu sobre a copa de uma árvore, de onde foi resgatado, pelo corpo de bombeiros, com algumas escoriações e duas costelas quebradas.
Assis Valente é o compositor de alguns clássicos da música popular brasileira, como Brasil Pandeiro, ainda muito conhecida por causa da versão de Os Novos Baianos, Camisa Listrada (Carmem Miranda, Maria Bethânia, Vanessa da Mata), E o mundo não se acabou (Carmem Miranda, Marília Medalha, Ney Matogrosso, Adriana Calcanhoto).
É o compositor da mais expressiva canção natalina brasileira: Boas Festas. Que tem a peculiaridade de abrigar uma letra melancólica em uma canção alegre. De certo modo, refletindo a vida do próprio Assis Valente, um sambista com depressão. A música foi um grande sucesso, durante muitos anos, na interpretação de Carlos Galhardo, e embora hoje em dia já seja menos tocada está, certamente, na memória afetiva de muitos de nós. A letra da música evoca a alegria do Natal, mas do ponto de vista de alguém que já sabe que a vida é desigual e não flui sem decepções: “Anoiteceu/O sino gemeu/E a gente ficou/Feliz a rezar/ Papai Noel/Vê se você tem/A felicidade/Pra você me dar/ Eu pensei que todo mundo/Fosse filho de Papai Noel/ Bem assim felicidade/Eu pensei que fosse uma/Brincadeira de papel/Já faz tempo que pedi/ Mas o meu Papai Noel não vem! / Com certeza já morreu / Ou então felicidade / É brinquedo que não tem.”
A música foi composta em 1932. Segundo o próprio Assis Valente: “Eu morava em Niterói e passei aquele Natal sozinho. Estava longe dos meus e de todos, em uma terra estranha. Era uma criatura esquecida dos demais, no mundo alegre do Natal dos outros. Havia em meu quarto isolado uma estampa simples de uma menina esperando o seu presente, com seus sapatinhos sobre a cama. Eu me senti nela. Então rezei e pedi. Fiz então este Boas Festas. Foi bom, porque da minha infelicidade tirei esta marchinha, que fez a felicidade de muita gente. É minha alegria todos os natais. Esta é a minha melhor composição”.

Pato Fu toca Boas Festas em instrumentos de brinquedo.
Em anos mais recentes (1971), John Lennon e Yoko Ono aproveitaram o Natal para mandar, via música, uma mensagem política. A música Merry Xmas. War is over foi uma manifestação contra a guerra do Vietnam, mas sobreviveu a ela, despiu-se até onde pôde de sua conotação política e circula hoje em dia como apenas mais uma canção de Natal, com uma conclamação à paz: “Então é Natal (a guerra terminou)/ Para fracos e fortes (se você quiser)/ Para o rico e para o pobre / O mundo é tão errado / E então feliz Natal / Para o negro e para o branco / Para o amarelo e o vermelho / Vamos parar com todas as lutas.”

Merry Xmas. War Is Over(Feliz Natal. A Guerra Acabou). Uma canção natalina protestando contra a guerra.


Canções natalinas – Parte II

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 19 de dezembro às 20:29

Tweetar

“Jingle Bells” é, provavelmente, a canção de natal mais popular no Brasil. Mas a letra original nada tem a ver com a versão em português “Bate o sino, pequenino / sino de Belém / Já nasceu o Deus-menino / Para o nosso bem.” Claro, muito menos com a versão debochada “Jingle bells, jingle bells / Acabou o papel / Não faz mal, não faz mal / Limpa com jornal.” Na verdade, na sua versão original sequer era uma canção natalina. Era, antes, o que poderíamos chamar uma “canção de inverno”. A letra original não faz referência ao Natal. Até o título, “Jingle Bells”, só foi atribuído depois.

Composta em 1857 pelo organista americano James Lord Pierpoint, foi batizada como “One horse open sleigh” e faz referência a passeios de trenós puxados por cavalos que ocorriam em Medford, Massachussets, no começo do século XIX. Como cavalos andando sobre a neve são silenciosos, pequenos sinos eram atados aos cavalos para advertir as pessoas. São a esses pequenos sinos ou guizos a que a letra faz referência. Mas há controvérsia.
De início, a música era muito cantada no Dia de Ação de Graças e as pessoas, comemorando, balançavam seus copos cheios de bebida e gelo. Para alguns, o “jingle bells” era o tilintar do gelo nos copos.
Dois anos depois, o próprio Pierpoint mudou o título da música para “Jingle Bells” que difundiu-se nos demais estados americanos como uma canção natalina, o mesmo ocorrendo no resto do mundo. E embora “Jingle Bells” seja um sucesso permanente desde então, é outra música natalina a recordista de vendas nos Estados Unidos.

Sino de Belém, versão de Evaldo Ruy para Jingle Bells, cantada no estilo Playing for changes em versão nordestina, projeto de Luigi Bertolli
O record pertence a “White Christmas”. Curiosamente, a mais bem sucedida canção natalina americana foi composta por um judeu, cujo pai era um cantor na sinagoga. O autor da proeza foi um jovem, batizado como Israel Beilin na sua Rússia natal, cujo nome foi mudado para Izzy Baline, quando a família emigrou para os Estados Unidos (Izzy tinha 5 anos), e que depois adotou o nome de Irving Berlin, quando começou a publicar músicas.
A primeira execução pública de “White Christmas” foi no dia de Natal de 1941, por Bing Crosby na Rádio CBS. Apenas duas semanas antes, os Estados Unidos tinham sido atacados em Pearl Harbor e estavam em guerra. Convocados, muitos milhares de jovens foram afastados de suas famílias, noivas, namoradas e amigos para o serviço militar. A música calou no coração de todos como uma expressão da saudade e do desejo de um breve retorno.
Quando Bing Crosby gravou a canção, em janeiro de 1942, foi direto para a parada de sucessos, onde ficou no primeiro posto por onze semanas, mas voltaria nos períodos natalinos dos anos seguintes. Foi o single mais vendido da história (mais de 50 milhões de cópias. Thriller, de Michael Jackson, foi o álbum mais vendido – 110 milhões).
A música foi incluída em um filme (Holiday Inn), cantada também por Bing Crosby, tendo vencido o Oscar do ano seguinte. Outros artistas também gravaram a música, em um leque que vai de Louis Armstrong a U2, passando por Frank Sinatra, Bob Marley, Elvis Presley, Ella Fitzgerald e muitos mais.
Irving Berlin, educado na religião judaica, foi o autor das duas mais famosas músicas americanas associadas a práticas religiosas cristãs. Pois além de “White Christmas” ele também é o autor de “Easter Parade”, uma canção relativa às comemorações da Páscoa. Irving Berlin fez isso sem renunciar às suas convicções religiosas fundadas na tradição judaica, mas celebrando, de modo respeitoso, o calor humano que ele via nessas duas festas cristãs.
A popularidade que “White Christmas” alcançou é simbolizada em uma cena do filme “ O Inferno 17”, do diretor Billy Wilder (nascido na Polônia). O filme se passa em um campo de prisioneiros de guerra, americanos, em território alemão. Em uma cena, no dia de Natal de um inverno rigoroso, o sargento alemão pergunta aos prisioneiros americanos, em tom de blague: “Como é mesmo aquela música, daquele americano chamado Berlin?”

Bing Crosby e Marjorie Reynolds (dublada) cantam White Christmas no filme Holiday Inn (Duas semanas de prazer)


Canções Natalinas – Parte I

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 14 de dezembro às 17:33

Tweetar

Todo fim de ano é a mesma coisa. Mal dezembro chega, começa o bombardeio publicitário visando esvaziar nosso bolsos e bolsas na compra de presentes. Tais mensagens comerciais frequentemente vêm embaladas por canções natalinas, quase sempre as mesmas, como aquelas com as inevitáveis harpas paraguaias.
Uma das mais antigas é “Noite Feliz”. Conta-se que a canção foi composta em algumas horas, quando, na véspera do Natal de 1818, o padre Joseph Mohr e o organista Franz Gruber descobriram que os ratos haviam feito estragos no órgão da capela da vila de Obendorf, na Áustria, que ficou imprestável. A solução: compor uma canção para o dia seguinte, com acompanhamento por violão. Assim teria nascido “Stille Nacht” (“Noite Silenciosa” em alemão).
Pena que história tão saborosa seja apenas um mito. Pois já em 1816 o padre Mohr havia escrito a letra de “Stille Nacht” como um poema. E de fato, o órgão da capela estava danificado, mas já se sabia disso. A comunidade não dispunha de dinheiro suficiente para o conserto, que só foi realizado no ano seguinte. Em um dia não especificado, o padre procurou o organista para perguntar-lhe se poderia colocar uma melodia no seu texto. E que ele pensava em uma canção para ser executada por duas vozes e coro, acompanhada apenas por violão.
A primeira execução foi à meia-noite, no Natal de 1818, com Mohr e Gruber como as duas vozes solistas e o coro repetindo os dois últimos versos de cada estrofe. O próprio Gruber tocou o violão. A apresentação foi um sucesso e Carl Maraucher, que no ano seguinte veio consertar o órgão da capela, encarregou-se de distribuir cópias pelas vizinhanças. Em poucos anos, a música estava sendo tocada em grandes cidades, como Leipzig e Munique, e, 20 anos depois, em Nova Iorque.
A música não trouxe dinheiro nem reconhecimentos aos seus autores. Era editada como de autor desconhecido. O padre Joseph Mohr morreu aos 56 anos na cidade de Wagrain, tão pobre que seu enterro foi custeado pelos paroquianos. Gruber teve melhor sorte, do ponto de vista financeiro, com seu trabalho como organista.
Em 1853, a música chamou a atenção do rei da Prússia, Friedrich Wilhelm IV, engraçou-se pela música, que julgou que provavelmente seria da autoria de Michael Haydn, irmão de Joseph Haydn, e ordenou uma investigação. Levou mais de um ano para os encarregados da pesquisa chegarem até Gruber, que escreveu um relato para o rei contando sobre a composição. O rei solicitou a partitura original, que Gruber não tinha, e assim escreveu uma de memória. Questionado, nos anos seguintes “reescreveu” a canção por mais cinco ou seis vezes, sempre com pequenas alterações. O que não ajudou em nada a fortalecer o seu pleito, e acusações de fraude sussurradas aqui e ali.
Felizmente para Gruber, encontrou-se o manuscrito de Joseph Mohr, com a indicação de que a música era de Gruber e as especificações para duas vozes solistas, coro e violão. O manuscrito original está agora no Carolinum Augusteum Museum, in Salzburg.
Em 1912, a comunidade de Wagrain decidiu homenagear o padre Mohr com um busto de bronze. Mas Mohr já estava sepultado há mais de 60 anos, e ninguém sabia exatamente como eram suas feições. Foi feita uma exumação e o crânio de Mohr foi retirado, mas o tal busto nunca foi concluído e, vinte e cinco anos depois, o crânio foi enviado para Obendorf, onde foi sepultado na parede de trás da Silent Night Memorial Chapel, mas a localização não foi marcada. A cidade de Hallein, onde Gruber morreu, abriga o Franz Xavier Gruber Museum, na sua antiga casa. Lá está exibido, entre outros objetos, o violão que Gruber tocou em 1818.
A capela original foi demolida em 1906, porque ficava em local sujeito a frequentes inundações. A Silent Night Memorial Chapel foi construída em uma elevação próxima, e todo ano, na Noite de Natal, a canção é executada. À execução inicial, com duas vozes solistas, coro e violão, segue-se outra execução, com centenas de vozes dos visitantes, cada qual cantando em sua língua. A letra original contém seis estrofes. As diferentes versões, que circulam nos mais diferentes países do mundo são menores, com duas ou três estrofes.

Stille Nacht em Dresden, Alemanha

 


The Art of McCartney – O desperdício de uma boa ideia

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 22 de novembro às 18:56

Tweetar

Paul McCartney completou 70 anos. Dentre as várias e merecidas homenagens, um CD/Vinil duplo acaba de ser lançado, com opções em MP3 e um DVD com “making of”. Um time galáctico homenageia o lendário artista em 34 faixas. Considerando o material de que dispunham e a qualidade da equipe convocada, era quase impossível dar errado. Bem, não se pode ir ao exagero de dizer que foi um fracasso. Mas foi frustrante. O que poderia ser ótimo foi apenas bom. Vejamos primeiro o material e os envolvidos.
Disco 1:
1- Maybe I’m amazed- Billy Joel
2- Thing we said today – Bob Dylan
3- Band on the run – Heart
4- Junior’s Farm – Steve Miller
5- The long and winding road – Yusuf (Cat Stevens)
6- My love – Harry Connick Jr.
7- Wanderlust – Brian Wilson
8- Bluebird – Corinne Bailey Rae
9- Yesterday – Willie Nelson
10- Junk – Jeff Lynne
11- When I’m 64 – Barry Gibb
12- Every Night – Jamie Cullum
13- Venus and Mars/Rock Show – Kiss
14- Let me roll it – Paul Rodgers
15- Helter Skelter – Roger Daltrey
16- Helen Wheels – Def Leppard
17- Hello Goodbye – The Cure com James McCartney
Disco 2
1- Live and let die – Billy Joel
2- Let it be – Chrissie Hynde
3- Jet – Robin Zander & Rick Nielsen
4- Hi hi hi – Joe Elliot
5- Letting go – Heart
6- Hey Jude – Steve Miller
7- Listen to what the man said – Owl City
8- Got to get you into my life – Perry Farrel
9- Drive my car – Dion
10- Lady Maddona – Allen Toussaint
11- Let ‘em in – Dr. John
12- So bad – Smokey Robinson
13- No more lonely nights – The Airborne Toxic Event
14- Eleanor Rigby – Alice Cooper
15- Come and get it – Toots Hibbert with Sly & Robbie
16- On the way – B.B. King
17- Birthday – Sammy Haggart

O projeto é antigo. Foi idealizado por um dos produtores de Paul, Ralph Sall, nos idos de 2003. Os músicos convidados, como se vê, escolhidos a dedo. Onde poderia ocorrer algum erro? Na decisão de fazer quase todas as gravações usando a banda de apoio do próprio Paul McCartney. O resultado é que os arranjos são praticamente os mesmos usados por Paul McCartney o que não deixa muito espaço para a criatividade dos convidados.
Para eles, o que sobra é conseguir destacar-se na colocação da voz. Dr. John consegue isso em Let ‘em in. Willie Nelson se beneficia do fato de o arranjo de Yesterday fugir do usual e incluir uma gaita de boca que caiu bem. Def Leppard conseguiu dar um peso maior à Helen Wheels.
Por outro lado, um grande número, incluindo Alice Cooper e Perry Farrel, parecem estar em uma sessão de karaoke. E karaoke sempre é mais divertido para quem canta do que para ouve.

Alice Cooper – Quase um karaoke
Aproveitar músicas menos conhecidas, como Come and get it (música de McCartney gravada originalmente pelo Badfinger) e On the way, e misturá-las com as de maior sucesso foi uma jogada interessante. Mas colocar B.B.King em uma camisa de forças dessas, não deixando Lucille (a guitarra de B.B.King) dizer o que tem a falar é uma maldade.
Há notícias de que uma edição de luxo, com 42 faixas será lançada. Por ora, a Amazon oferece, com exclusividade, duas faixas bônus: C’mon, com Robert Smith e Put it There, com Peter Bjorn and John. A Best Buy dispõe de Smile away, com Alice Cooper e For no one, com Ian McCulloch, e a Target ficou com All my loving, com Darlene Love e Run devil run, com Wanda Jackson.
Can’t buy me love, com Booker T. Jones e P.S. I love you, com Ronnie Spector não foram disponibilizadas. Pode ser que estejam sendo reservadas para os completistas, que terão de encarar uma edição de luxo especial, com apenas 1000 cópias autenticadas e mais alguns mimos, como um pen drive no formato do baixo Hofner de Paul, um livro, certificado de autenticidade e algumas cositas más para justificar o preço que, certamente, será astronômico.


Quero que vá tudo pro inferno

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 15 de novembro às 17:25

Tweetar

Com a tomada do poder pela ditadura militar, nos idos de 1964, os focos de resistência à censura à liberdade de expressão foram, em parte, transferidas para a música e o teatro. Na música, duas vertentes principais disputavam a preferência do público: a MPB e o iê-iê-iê, que depois seria chamado de Jovem Guarda.
A denominação inicial, iê-iê-Iê, veio do título brasileiro do primeiro filme dos Beatles, batizado como “Os reis de ié-ié-ié”, numa referência à palavra inglesa “yeah”, que os Beatles usavam com muita frequência (“She loves you, yeah, yeah, yeah”). Como os sudestinos acham que a letra e tem som de ê, o ié-ié-ié virou iê-iê-iê.
O ié-ié-ié procurava se associar com mudanças de costumes e de atitudes. Roupas extravagantes, cabelos compridos, pulseirinhas, etc. Fazia a apologia de transgressões (“está por dentro de tudo, só namora se o cara é cabeludo”, ou “nunca respeitando o aviso que diz, que é proibido fumar” ou “parei na contra-mão”), que soam como brincadeiras inócuas quando comparadas com os “recados” da facção engajada da MPB (“é um tempo de guerra, é um tempo sem sol”, ou “é a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”). Os que caminhavam com “a certeza na frente e a História na mão” não se conformavam com a postura que julgavam conformista e de subserviência ao “imperialismo cultural” que o iê-iê-iê representava.
Mas a MPB tinha um “defeito”. Era ótima para se cantar em reuniões nos bares ou nas casas, onde algumas doses de Cuba-Libre ajudavam a equacionar e resolver os problemas do Brasil. Para animar de verdade uma festinha, os Beatles, os Rolling Stones, os Byrds e suas contrapartes brasileiras eram muito melhores. E como festejar a vida é preciso, o já então iê-iê-iê foi tomando corpo.
Uma música foi particularmente marcante na conquista do território: “Quero que vá tudo pro inferno”, de Roberto e Erasmo Carlos”. A inspiração da música foi uma namorada de Roberto Carlos, que estava nos Estados Unidos, e para quem Roberto Carlos já tinha feito outras canções, já que o namoro se prolongava por 4 anos. Consta, por exemplo, que “Não quero ver você triste” foi feito para ela.
Quando Roberto Carlos começou a ter sucesso comercial, alguns órgãos da imprensa começaram a citar a namorada do cantor. Incomodado, o pai dela, casado novamente e que não queria holofotes sobre sua família, bolou um plano para afastar os dois pombinhos: propôs que a filha fosse fazer um curso de inglês de três meses em Nova Iorque. A filha, empolgada com a chance de conhecer a Big Apple aceitou. Perto de terminarem os três meses, Roberto e Erasmo compuseram “A volta” (“Estou guardando o que há de bom em mim/Para lhe dar quando você chegar”). Mas o pai de Magda (assim se chamava a namorada) a convenceu a ficar mais um tempo fazendo um curso de nível intermediário. Frustrado, Roberto entregou a canção para “Os Vips”. Foi o maior sucesso da dupla.
A música “Quero que vá tudo pro inferno” também foi inspirada pela namorada. Mas o pai, mais uma vez. a convenceu a fazer agora o curso avançado, e Magda não voltou para aquecer Roberto naquele inverno. Nem em inverno algum, pois, com os corpos distantes, a relação esfriou. Ficaram as canções, mas Magda não ficou. Ou ficou, dependendo do ângulo por onde se olha.
Em 1965, Roberto, Erasmo e Wanderlea estavam no comando do programa Jovem Guarda, na TV Record. A denominação Jovem Guarda seria a substituta de Iê-iê-iê, denominando aquele movimento musical, e também o título do 5º Lp do cantor, que teria “Quero que vá tudo pro inferno” como o carro-chefe. A música foi lançada em novembro de 1965, e foi um sucesso imediato. Nos programas de rádio de Natal, tipo “Telefone e peça bis” disputou o primeiro posto, durante algumas semanas, com “Help”, dos Beatles. O sucesso se repetia em todo o Brasil, e foi, em parte, beneficiado pela polêmica que se seguiu, pois setores conservadores da sociedade, principalmente da Igreja, protestaram.
Depois, quando entrou um uma longa fase mística, o próprio Roberto Carlos deixou de cantar a música e proibiu que outros cantores também a interpretassem. Em 1978, Nara Leão gravou o Lp “E que tudo mais vá pro inferno”. Quando o disco foi relançado em CD, Roberto proibiu que a música constasse do disco. Quem tem o Lp, tem doze músicas. No CD, a primeira faixa foi excluída.
O sucesso da música provocou um aumento da audiência do programa Jovem Guarda de 15% para 38%. Segundo Paulo César de Araújo, autor da biografia não autorizada e proibida pelo “rei”, Roberto Carlos, a partir daí, “nunca mais foi confundido com outros cantores de música jovem, nunca mais precisou fazer teste, nunca mais foi demitido, nunca mais foi cantar em modestos circos de subúrbio.” E Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello (“A Canção no Tempo”) opinam que Roberto Carlos foi o primeiro cantor a se transformar em ídolo de massa graças à televisão, assim como Orlando Silva foi criado pelo rádio.
Quando Magda finalmente voltou, Roberto Carlos estava no olho do furacão. As chances de ficarem um com o outro eram escassas. Logo depois, Roberto conheceria Nice Martinelli. Mas essa é outra história, com outras canções.


Jack Bruce (1943-2014)

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 7 de novembro às 18:07

Tweetar

Há duas semanas, morreu Jack Bruce. As matérias nos jornais o citaram como um grande nome do rock e do blues. Ele se considerava um jazzista. Nenhuma contradição. Jack Bruce transitou com desembaraço por todas essas sendas.
Nascido na Escócia, em 1943, John Symon Asher Bruce começou seus estudos na adolescência, no Royal Scottish Academy of Music, recebendo aulas de violoncelo. Mas seu pai era um amante de jazz, e logo o aluno estava misturando música clássica e jazz, para desagrado dos seus rígidos mestres. A imposição foi imperativa. Ou parava com as digressões jazzísticas ou deixava o conservatório. O aluno não hesitou. Escolheu a liberdade de trilhar livremente os caminhos musicais que a vida lhe trouxesse. Sua educação musical formal durou apenas três meses.
Em 1962, Jack Bruce estava em Londres, onde entrou em contactos com músicos que cultivavam o blues. Trocou com Alexis Korner, um dos pioneiros, onde Charlie Watts também ensaiou seus primeiros passos, e na Graham Bond Organisation, onde conheceu e teve vários desentendimentos com o baterista Ginger Baker.
Seu próximo passo foi o John Mayall’s Bluesbrakers, onde só ficou por poucas semanas, mas o suficiente para impressionar o guitarrista. Na sua biografia, Clapton escreveu: “Musicalmente, ele foi o mais vigoroso baixista com quem já toquei. Ele lidava com o baixo quase como se fosse o instrumento líder, mas não ao ponto de ofuscar os demais e o sua noção de tempo era fenomenal. Tudo isso se refletia na sua personalidade, impaciente e perceptiva. Fico feliz em dizer que a admiração era mútua, e nós nos entendemos muito bem, antecipando o que o futuro nos traria.”
E o futuro não tardou a se apresentar, na pessoa de Ginger Baker. O baterista convidou Eric Clapton para formarem um grupo. Clapton pensou de imediato em um trio, composto por um guitarrista (ele próprio), um baterista (Ginger Baker) e um baixista. Seu modelo era um dos seus ídolos, Buddy Guy, que comandava um trio com essa formação. E Eric já tinha o nome do baixista na ponta da língua. Jack Bruce. Para desespero de Ginger Baker.
Baker não aceitou de imediato. Aguardou algumas semanas, mas vendo que não havia outra forma de contar com Eric Clapton, terminou por concordar. O primeiro dia de ensaio parecia confirmar todos os receios do baterista, pois em poucos minutos de conversa ele e Bruce já estavam às turras. Mas resolveram tocar e aí a música começou a falar mais alto, aparando as arestas entre os dois. Era o nascimento do Cream, cujo nome sugeria, sem qualquer traço de modéstia, que ali estava o creme do blues-rock inglês. E assim foram tratados pela imprensa inglêsa. Foi a primeira banda a ser chamada de supergrupo.
O Cream não durou muito, entretanto. Pouco mais de dois anos, tempo suficiente para se tornarem lendários, embora alguns críticos achem que a importância do grupo foi superdimensionada. E o motivo da dissolução não foi o choque de egos, comum entre componentes de supergrupos. Foi, segundo Eric Clapton, o próprio sucesso do Cream, que os levou a uma agenda tal que dava pouco espaço para a criação. Por fim, o cansaço prevaleceu e, de comum acordo, os três decidiram pelo fim do grupo. Para surpresa dos fãs e da imprensa, já que estavam era plenamente bem sucedidos. O Cream vendeu mais de 35.000.000 de discos em dois anos e o LP Wheels of Fire ganhou o primeiro disco de platina da história fonográfica. Em 2005, os três se reuniram para uma rápida excursão comemorativa. Abaixo, um trecho do show:


O Cream catapultou de vez a carreira de Eric Clapton. Jack Bruce e Ginger Baker também tiveram carreiras vitoriosas, mas nunca mais alcançaram um sucesso tão amplo quanto no tempo do Cream. Mais curioso, porque naqueles finais dos anos 1960, Eric Clapton quase não cantava. O vocalista da banda era Jack Bruce, que foi também o compositor das músicas mais bem sucedidas do Cream, como Sunshine of your Love e White Room. São as trapaças da sorte, como diz a letra de Cacaso.

Aqui, o Cream e seu maior sucesso, Sunshine of your love, em pleno esplendor, na década de 1960:


Jack Bruce continou o mesmo baixista criativo e vigoroso do tempo de Cream. E seguiu participando de grupos que incluíam pessoas de formação tão diversa como Carla Bley, Tony Williams e John Medeski, para citar alguns jazzistas, e Frank Zappa, Mick Taylor, Phil Manzanera e Billy Cobham, de raízes roqueiras.
Jack Bruce foi entronizado no Hall da Fama, com o Cream, e recebeu vários prêmios especiais. Seu corpo foi cremado em Londres. Os antigos companheiros do Cream, Eric Clapton e Ginger Baker, estiveram presentes. Na cerimônia de cremação, eles e outros artistas, como Phil Manzanera e Gary Brooker, tocaram as músicas Morning has broken, Strawberry Fields Forever e Theme from an Immaginary Western, esta última uma composição de Jack Bruce, em uma derradeira homenagem ao amigo.

Capa em destaque – Cream – Good-bye (1969)

O álbum de despedida do Cream foi lançado após a separação do grupo. O disco contém 6 músicas, das quais só as do “lado B” eram inéditas. Mas entre estas figura Badge, uma parceria de Eric Clapton e George Harrison, que se tornaria um dos números mais frequentes na carreira solo de Clapton. Para marcar a despedida, o trio foi vestido com um terno brilhoso, chapéu e bengala, um figurino tradicional do show-business, em pose de agradecimento, sinalizando o último ato de um trio que marcou indelevelmente a história do rock.


Os dias de vinho e rosas – Final

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 27 de outubro às 18:31

Tweetar

Como Blake Edwards havia prognosticado, o sucesso dos seriados de tevê Peter Gunn e Mr. Lucky os trouxeram de volta ao mundo do cinema. E as trilhas sonoras de Bonequinha de Luxo e Vício Maldito renderam a Henry Mancini três Oscar em dois anos. Agora, Mancini era o novo grande nome no campo das trilhas sonoras. Mais ainda. O fato de ele próprio dirigir uma orquestra contribuiu enormemente para firmar o seu nome no meio artístico. Compositores do cinema não eram conhecido fora da indústria do cinema e do nicho restrito daqueles que cultivavam uma paixão pela música do cinema. Henry Mancini foi o primeiro a fugir à regra.
Suas trilhas sonoras vendiam muito bem. Trilhas originais de outros compositores tinham tiragem bem menor do que a dele. Isto acontecia porque Mancini era seletivo no que gravava. O filme Vício Maldito lhe rendeu o terceiro Oscar por The days of wine and roses, mas nenhuma gravação da trilha sonora foi feita. Ele argumentou que o restante da música do filme era incidental e não despertaria interesse fora do contexto do filme. Conforme explicou: “A maioria das trilhas sonoras dos filmes não vingam comercialmente porque não foram gravadas somente para se ouvir. A música de fundo existe apenas para causar impacto dramático no espectador. Por isso, regravo apenas os meus temas capazes de funcionarem fora dos filmes.”
The days of wine and roses fez parte de uma coletânea. O fato de as demais músicas de Vício Maldito terem sido condenadas pelo próprio compositor ao esquecimento não significava que sua fonte de inspiração estava secando. Ao contrário. Nesses primeiros anos Mancini parecia ser um manancial inesgotável de temas melódicos. Assim, Hatari! (1962), Charada (1963) e A Pantera Cor-de-Rosa estãorepletos de temas memoráveis, além das canções títulos. São músicas que serviram muito bem aos seus filmes, mas que têm luz própria, podendo ser apreciadas mesmo por quem não os assistiu.
A ação de Hatari! se passa na Áfica, onde John Wayne faz o papel de um aventureiro cujo trabalho é capturar animais para zoológicos de todo o mundo. A bela trilha sonora inclui mais uma parceria de Mancini e Johnny Mercer (Just for tonight), baseado em uma tema de Hoagy Carmichael. Mas a cena pela qual o filme é mais lembrado só sobreviveu por conta de uma outra música.
Durante as filmagens, três filhotes de elefante se afeiçoaram à atriz Elsa Martinelli e sempre procuravam acompanhá-la onde quer que ela fosse. O diretor, Howard Hawks, filmou algumas cenas, mas estava decidido a eliminá-las por não conseguir encaixá-las no filme até ouvir a música que Mancini fez. A cena da perseguição da artista pelos filhotinhos não apenas foi salva por Baby elephant walk, mas tornou-se a mais célebre em um filme cheio de grandes momentos.


O filme A Pantera Cor-de-Rosa conta a história de um inspetor de polícia trapalhão no encalço do ladrão que roubou um famoso diamante que tem o nome do título. Mas a cena é roubada por uma outra pantera, desenhada pelo estúdio DePatie-Freleng, que só aparece durante a apresentação dos créditos do filme e cujas ações são marcadas pela música. O sucesso foi tal que a simpática pantera ganhou um programa de tevê para chamar de seu, com uma série de cartoons que foram exibidos durante muitos anos nas tevês do mundo. Como no filme, a ação nos cartoons é marcada apenas pela música. Sem diálogos. No vídeo, o nascimento da pantera cor de rosa.


Henry Mancini fez a trilha sonora de muitos filmes mais. Só sequências de A Pantera Cor-de-Rosa foram seis que Mancini musicou. Fez trilhas para filmes tão diversos quanto Arabesque, Um clarão nas trevas, Os girassóis da Rússia, Quando as águias se encontram, Instinto fatal, Regresso do Vietnam, Minha adorável espiã e muitos outros.
E teve uma trilha rejeitada por ninguém menos do que Alfred Hitchcock. O diretor inglês tinha rompido a sua longa parceria com Bernard Herrmann desde Cortina rasgada. Hitchcock estava convencido de que o declínio no sucesso dos seus filmes se devia à música de Hermann e queria um toque mais moderno.
Foi por isso que para Frenesi Hitchcock contratou Mancini, que assistiu ao copião e fez a música que julgou correspondente ao clima do filme. O problema é que lembrava justamente a música de Herrmann. Hitchcock descartou-a declarando que “se ele quisesse Bernard Herrmann teria contratado Bernard Herrmann.” Ron Goodwin compôs a trilha afinal usada.
Além de trilhas para filmes, Mancini eventualmente compôs para outros veículos. Fez as vinhetas de apresentação do programa de entrevistas de David Letterman e da The NBC Mistery Movies, que anunciava atrações noturnas dos domingos que ficaram famosas também no Brasil, como MacMillan, Columbo e McCloud, e para o Richard Boone Show. E ele mesmo conduzia um programa de tevê, The Mancini Generation, onde se apresentava com sua orquestra tocando suas músicas e de outros compositores.
Mancini compôs música para 88 filmes e quinze seriados, não contando as que fez anonimamente para a Universal, no seu começo de carreira. Concorreu ao Oscar em 18 oportunidades, ganhando a estatueta quatro vezes. Foi indicado para o Grammy 73 vezes e em 20 delas foi o vencedor.
Sua última trilha sonora foi para o filme Victor Victoria, mais uma vez com seu velho parceiro Blake Edwards. Mancini estava trabalhando na adaptação de Victor Victoria como um musical da Broadway quando foi diagnosticado com câncer do pulmão. Continuou trabalhando na adaptação, mas não chegou a concluí-la. Três canções de Leslie Bricusse e Frank Wildhorn foram incluídas.
Henry Mancini morreu no dia 14 de junho de 1994. A peça estreou dezoito meses depois. No dia da estreia, Julie Andrews, mulher de Blake Edwards e a principal atriz do musical, dedicou a sessão ao “grande ausente”, o amigo que estivera sempre presente em suas vidas e que tornara o mundo um lugar muito mais rico, graças à sua música.


Os dias de vinhos e rosas – parte 2

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 20 de outubro às 00:14

Tweetar

O sucesso da série de TV Peter Gunn animou Blake Edwards a uma nova incursão no gênero. Henry Mancini foi mais uma vez convidado para fazer a trilha sonora. O seriado se chamou Mr. Lucky e o tema título que Mancini criou fez ainda mais sucesso do que o de Peter Gunn. Mas o seriado teve vida curta. Membros de associações que zelavam pelos “valores morais da América” externaram insatisfação pelo fato de a ação se passar em um cassino e pressionaram os produtores. Estes cederam, e o enredo foi transferido para um restaurante. A plateia perdeu o interesse pela série, que teve uma morte precoce.
Mas Peter Gunn e Mr. Lucky foram o passaporte de retorno de Blake Edwards e Henry Mancini para as grandes telas. A simbiose entre o diretor e o compositor durou trinta e seis anos. Sua última trilha sonora foi para Victor Victoria, ainda um filme de Blake Edwards. Foram ao todo 28 filmes em que foram parceiros.
O primeiro deles não foi propriamente um sucesso. Uma comédia trivial, Dizem que é amor, com Bing Crosby no papel principal, Mancini compondo música incidental e as canções encomendadas à dupla Jimmy Van Heusen & Sammy Cahn, passou meio despercebida. O segundo filme, Bonequinha de Luxo, foi um grande sucesso e rendeu à Mancini dois Oscar, um pela melhor trilha sonora e outro pela melhor canção, Moon River.
Mas não foi fácil emplacar a música no filme. A música era para a personagem de Audrey Hepburn e os produtores, de início, queriam contratar algum medalhão da Broadway para compor a canção. Mancini pediu a Blake Edwards uma chance para compor a canção. Até aí, tudo bem. Edwards confiava no taco do seu amigo.
O segundo passo foi um convite a Johnny Mercer para compor a letra. Mercer era um dos melhores letristas americanos. Para muita gente, o melhor, naqueles anos. Mas Mercer andava desanimado. O sucesso do rock estava tomando o espaço de outros gêneros musicais. Mancini mostrou-lhe a canção que compusera, explicou-lhe a cena do filme e lembrou-lhe que a música seria cantada pela atriz Audrey Hepburn, acompanhando-se no violão, e cujo alcance vocal era limitado.
Johnny Mercer elaborou três letras, até alcançar um resultado satisfatório. Mas ao entregar a letra a Mancini, comentou: “O tema é bom, mas não tem futuro fora do filme. Quem vai querer gravar uma valsa?” O prognóstico pessimista de Johnny Mercer não poderia estar mais errado. Moon River seria a música mais bem sucedida de Henry Mancini, com mais de mil gravações.
Um último obstáculo ainda surgiria. O diretor-chefe da Paramount Pictures, Martin Rackin, detestou a cena e, tão logo terminou a sessão prévia, sentenciou: “Essa droga de canção tem que cair fora”. Foram as mãos de Blake Edwards que quase caíram no pescoço de Rackin, tão indignado ele ficou. Conversa vai, conversa vem, a canção permaneceu. Resultado: Oscar de melhor canção. E Oscar de melhor trilha sonora original para Bonequinha de Luxo.


No ano seguinte, Mancini e Blake Edwards fizeram nova parceria. O filme foi Vício Maldito, um drama sobre o alcoolismo. Mancini convocou outra vez Johnny Mercer e, juntos, criaram mais uma pérola do cancioneiro americano: “The days of wine and roses”.
A música popular geralmente é construída em um modelo chamado AABA. Um primeiro tema (A) que é repetido, depois entra um segundo tema (B), chamado ponte, e o retorno ao tema inicial (A). A canção “The days of wine and roses” tem apenas o primeiro tempo e a sua repetição. Não existe a ponte nem a repetição final do primeiro tema. Foi tudo o que Johnny Mercer precisou para dar o seu recado.
Faço aqui uma tradução livre, onde se perde a poesia da letra de Johnny Mercer, para dar uma ideia pálida de como, em poucas palavras, Mercer abordou o tema das ilusões da juventude que se esfumaçam: “Os dias de vinho e rosas riem e correm para longe, como uma criança que brinca em um prado, em direção a uma porta onde está escrito “nunca mais”, uma porta que antes não estava ali. A noite solitária traz apenas uma brisa passageira cheia de lembranças do riso dourado que me leva aos dias de vinho e rosas e você.”
O protagonista de Vício Maldito foi Jack Lemmon. Ele e o diretor, Blake Edwards, foram convidados por Mancini e Mercer para ouvirem a canção título do filme. Mancini estava de costas para eles, ao lado de Mercer, que cantou a canção ao piano. Mancini contou que ao término, o silêncio foi total. Aguardou alguma manifestação, e nada. Uns dez segundos depois, ansioso, olhou para trás. As lágrimas corriam dos olhos de Jack Lemmon e Blake Edwards tinha os olhos úmidos. Nada precisou ser dito. The Days of Wine and Roses foi o segundo Oscar de Henry Mancini na categoria melhor canção. Nunca mais ninguém iria sugerir um outro compositor para as canções de seus filmes.

Capa em destaque – Breakfast at Tiffany’s (Bonequinha de Luxo) – Henry Mancini (1961)

A capa reproduz o clima do filme. Uma cena de Audrey Hepburn no papel de Holly Golightly, que trabalha como acompanhante de figurões. De origem humilde, é sustentada por um mafioso preso em Sing Sing, Holly sonha em ascender socialmente e um dia ser uma atriz de sucesso em Hollywood. Ate lá, faz de conta ser uma socialite requintada que tem a sofisticada Tiffany’s, na 5ª Avenida, como seu habitat natural. Tarefa não muito difícil quando é a naturalmente elegante Audrey Hepburn que encarna o personagem.

Bonequinha de Luxo


Os Dias de Vinho e Rosas – Parte I

Em por Djacir Dantas
Atualizado em 12 de outubro às 18:30

Tweetar

Henry Mancini e Sansão têm uma coisa em comum: um corte de cabelo mudou suas vidas. No caso de Sansão, como todos sabem, foi o começo do fim. No de Henry Mancini, o começo dos dias de vinho e rosas. Que, neste caso, ao contrário do que diz a letra que Johnny Mercer fez para aquela canção, duraram muitos anos.
Corria o ano de 1958. Henry Mancini tinha 34 anos, três filhos, e acabava de ser despedido da Universal Pictures, o estúdio de Hollywood que, atravessando uma crise financeira, estava cortando gastos. Sem saber muito bem o que iria fazer dali para a frente, Mancini entrou na barbearia do estúdio. Economizaria alguns trocados enquanto pensaria no futuro.
Na barbearia, Blake Edwards tinha acabado de cortar o cabelo. Quando o viu, foi logo dizendo; “Henry Mancini? Eu estava mesmo à sua procura.” E foi lhe contando sobre uma série televisiva que iria dirigir. Para adoçar a pílula, foi dando exemplos de pessoas que tinham feito da TV um trampolim para o cinema. Nem precisava gastar muito o seu latim. Mancini estava interessado. Afinal, como depois disse “eu não estava propriamente assoberbado de trabalho.” Ali iria começar uma parceria e amizade que duraria 36 anos e muitos filmes.
Mancini deveria escrever alguns temas da série e as músicas incidentais de cada episódio. Receberia 250 dólares por semana. A série se chamaria Peter Gunn. O personagem seria um detetive particular requintado, ao contrário dos tipos durões da tradição da literatura policial americana, cuja namorada era crooner em uma boate.
Mancini foi ousado. Criou diversos temas jazzísticos e convenceu a produtora a dispensar os seus músicos de estúdio, que segundo Mancini, eram bons mas não tinham muito swing, substituindo-os por jazzistas de fato. A série foi um sucesso. A música título, gravada por Ray Anthony, em um single, vendeu 100.000 cópias.
A gravadora RCA aceitou o desafio de gravar um LP com os temas da série. Henry Mancini marcou um jantar com Shorty Rogers, seu amigo e um artista de sucesso, para gravar o disco. Foi surpreendido por Rogers, que rebateu: “E por que você mesmo não grava? Você já fez as músicas, os arranjos, tudo está pronto. É seu bebê. Você tem que criá-lo.” Mancini ainda argumentou que era um compositor e arranjador, não um executante, mas Shorty Rogers foi irredutível em sua posição.
A RCA aceitou que o próprio Mancini se encarregasse das gravações, mas, prudente, mandou prensar apenas 8.000 cópias. O sucesso do disco foi fulminante e surpreendente. Pulou para o primeiro lugar na parada de sucessos onde ficou oito semanas e vendeu 1.000.000 de cópias. Quando saiu do primeiro posto, permaneceu em posições secundárias durante dois anos. Ao todo, vendeu mais de 2.000.000 de cópias, algo completamente inédito para discos de jazz e, mais ainda, para uma trilha sonora de série televisiva.
Henry Mancini nasceu Enrique Nicola Mancini, em Cleveland, Ohio, em 1924, filho único de imigrantes italianos. O pai era flautista amador e aos oito anos o garoto começou a aprender flauta piccolo, obrigado pelo pai, que batia em suas mãos, quando errava. Curioso é que o pai desaprovava a opção que o filho depois fez pela carreira de músico e a relação entre eles foi sempre carregada por certo grau de tensão.
Aos 18 anos, Mancini foi para nova Iorque, onde conseguiu uma bolsa na Julliard School. Mas os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial e Mancini foi convocado. Um amigo propôs-lhe fazer um teste com Glenn Miller, que viajava com sua orquestra tocando para os soldados no front. Glenn Miller não incorporou o jovem à sua orquestra, mas quando Mancini terminou seu treinamento básico foi surpreendido com a sua designação para uma banda militar. A recomendação tinha sido do capitão Glenn Miller.
Findo o conflito, Mancini conseguiu um trabalho como pianista-arranjador na orquestra de Tex Beneke, constituída por antigos músicos da orquestra original de Glenn Miller, que morreu na guerra. A orquestra de Beneke tocava no estilo de Miller. Foi lá que ele conheceu a cantora Ginny O’Connor.
Eram namorados quando os Mello-Larks (este era o nome do quarteto vocal da orquestra de Tex Beneke) receberam um convite para trabalhar em pequenos números musicais em filmes da Universal. Mancini, já enrabichado por Ginny, decidiu-se a largar tudo e acompanhá-los. Afinal seu sonho de adolescente era fazer músicas para filmes.
Ginny se mostraria sua maior incentivadora. Muito mais do que o próprio Mancini ela parecia acreditar nas suas possibilidades como músico. Foi ela quem conseguiu que Joseph Gershenson, chefe do departamento musical da Universal Pictures, o contratasse para o time de compositores do estúdio.
E foi assim, como parte de um time, e não creditado, que Mancini começou a compor trechos para “pérolas” como Francis, o burro falante, Perdidos no Alaska (com Abbott & Costello) e filmes de baixo orçamento de Jack Arnold, que virariam “cult”, como O monstro da Lagoa Negra, Tarântula, e Veio do espaço. O compositor recuperaria alguns destes temas em uma suíte que gravaria futuramente (em 1990) como Monster Suite Movie Music.
Em 1954, a Universal decidiu filmar a história de Glenn Miller (Música e lágrimas) e, naturalmente, encarregou Henry Mancini, dada a sua experiência com a orquestra de Tex Beneke, para fazer os arranjos. Dias depois, Mancini encontrou-se com Victor Young, o seu ídolo, que estava fazendo a música para A Fonte dos Desejos. Foi até o mestre dizer o quanto admirava o seu trabalho. Victor Young, claro, ficou satisfeito em ouvir os elogios daquele jovem desconhecido e, cortesmente, perguntou-lhe o que estava fazendo. Ao saber do filme sobre Glenn Miller, aconselhou-o. “Mas não deixe de incluir um tema original seu.”
Mancini ouviu o conselho do mestre. E compôs um tema, a que denominou “Too little time” para pontuar as cenas românticas de Glenn Miller. O tema não foi incluído na trilha sonora do filme, que apenas contém músicas consagradas por Miller. Mas foi pouco depois gravada por um dos maiores nomes de Hollywood. O mesmo Victor Young que lhe dera o precioso conselho e soubera ver a beleza do tema no meio das músicas de Glenn Miller.

No vídeo abaixo, Henry Mancini, em 1983, liderando uma performance de Peter Gunn.